Rosely Sayão
[...] Elas têm usado umas às outras sem pudor e têm tentado comprar (com dinheiro real) atitudes e favores
A vida das crianças a partir de oito anos não tem sido fácil em vários aspectos. Para começar, elas não sabem se são crianças ou não. Muitas, quando passam dos sete, se chamam "pré-adolescentes" e exigem serem tratadas como tal.
Os adultos - em nome sabe-se lá de quê - obedecem: enchem a vida das crianças de ícones de seu próprio mundo. Assim, elas freqüentam festas com músicas de adultos, dançam e se vestem como eles - e esses são pequenos exemplos que, no entender de muitos educadores, significam colocar as crianças em "socialização". Nessa fase, elas deveriam dirigir todo seu potencial e esforço para a aprendizagem escolar, o que significa passar a ler e a compreender os signos do mundo adulto, mas estão internamente muito ocupadas com outras questões que o contexto atual lhes impôs, como a hiperexcitação sexual.
Essas crianças têm contato direto com o ainda incompreensível mundo adulto desde muito cedo e observam que ele é todo envolvido em questões de dinheiro, consumo e negócios. Desse modo, procuram arremedar os adultos e tentam utilizar o estilo observado: introduzem as transações com dinheiro em suas vidas e agem como se pensassem com cabeça de gente grande. É aí que tem surgido um problema de grande complexidade.
Precisamos nos lembrar de que, nessa idade, as crianças ainda são bastante egoístas, ou seja, tratam os outros de acordo com seus interesses momentâneos e com sua conveniência. O outro é visto como um objeto de uso descartável, já que a criança ainda não o percebe como um ser distinto dela, com quem deverá aprender a conviver de modo respeitoso e ético.
Para chegar a esse ponto, a criança precisará aprender a se conter, a reprimir seus interesses puramente egoístas e direcioná-los a favor de sua convivência com os pares e a se colocar na teia das relações sociais. Como o processo educativo não tem sido manejado de modo responsável, as crianças têm usado umas às outras sem pudor nenhum e têm tentado comprar (com dinheiro real) atitudes e favores de seus pares.
Não devemos nos esquecer de que os canais de comunicação sempre trazem notícias destacadas a respeito de envolvimentos de alguns políticos com corrupção, dinheiro e poder. Talvez não nos tenhamos dado conta de que as crianças, tão atentas, são informadas dessas possibilidades, mas não têm ainda discernimento para saber o que é certo e o que é errado, o que devem e o que não devem fazer.
Se pais e professores acompanharem mais de perto as relações que as crianças dessa idade têm construído, terão a oportunidade de observar no mundo infantil questões que, na vida adulta, chamamos de corrupção, fofoca maldosa, abuso de poder, comércio de informações privilegiadas etc.
Mas não podemos avaliar de forma adulta esses comportamentos das crianças: não se trata de desvio de caráter, maldade, imoralidade ou coisa que o valha. Trata-se de um abandono educativo, como sempre tenho insistido.
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