25 novembro 2007

BRASIL ESTÁ PRONTO PARA REDUZIR SUAS EMISSÕES


Folha de S. Paulo


Entrevista: YVO DE BOER

Chefe da Convenção do Clima da ONU diz ver "vontade política real" para avançar no combate ao aquecimento da Terra

Mesmo que não aceite metas obrigatórias, o Brasil está pronto para limitar suas emissões de gases de efeito estufa de maneira mensurável. A avaliação é do holandês Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. "O Brasil está disposto a adotar medidas reais e verificáveis para reduzir suas emissões", afirmou o diplomata.

A dez dias da COP-13, a Décima Terceira Conferência das Partes da Convenção do Clima, que deverá iniciar as negociações para um acordo que substitua o protocolo de Kyoto após 2012, De Boer se diz otimista. Ele afirma que o encontro, que será realizado em Bali, Indonésia, vai conseguir definir uma agenda e fixar o ano de 2009 como data para completar o processo negociador. Em relação aos países em desenvolvimento, cujas emissões de gases que esquentam o planeta crescem em ritmo acelerado, De Boer afirma que há uma tendência entre eles de aceitarem a idéia de compromissos voluntários para limitar as emissões. Esses países são desobrigados de metas de redução por Kyoto, e têm resistido a adotá-las em nome do "desenvolvimento". Leia a seguir entrevista que De Boer concedeu à Folha:

FOLHA - O aquecimento global é um fato e as emissões dos gases que provocam o efeito estufa estão maiores do que nunca. O que tem sido feito para limitar as mudanças climáticas até agora parece, então, totalmente inadequado. Qual é a sua opinião sobre isso?
YVO DE BOER -
Sim, as emissões dos países industrializados continuam a aumentar. Mas os países também adotaram políticas e medidas para atingir as metas do Protocolo de Kyoto. No entanto, mesmo se as nações industrializadas alcançarem esse objetivo, isto vai significar apenas um pequeno passo em direção aos desafios ambientais a longo prazo. Para isso, é preciso que os governos optem por metas mais ambiciosas e que os principais países em desenvolvimento ajam, voluntariamente, para limitar o crescimento de suas emissões em troca de [poderem gerar] créditos internacionais de carbono [pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto, pelo qual países ricos com metas a cumprir pagam por reduções realizadas nos países pobres].

FOLHA - O que o sr. acha do nível de consciência do problema entre as pessoas?
DE BOER -
Acredito que ainda não existe consciência suficiente no mundo sobre as mudanças climáticas e como essas alterações vão ter impacto em diferentes países e comunidades. Como nós já podemos ver cada vez mais sinais dessas mudanças climáticas, a percepção está crescendo. Talvez de maneira mais rápida nos países em desenvolvimento, onde as pessoas são menos capazes de se proteger dos efeitos do aquecimento. Mas precisamos fazer mais para aumentar a conscientização.

FOLHA - As pessoas estão suficientemente dispostas a mudar o estilo de vida?
DE BOER -
As pessoas podem mudar seus hábitos sem pôr fim ao estilo de vida. É preciso ser consciente quando se compra um carro. Saber o quanto de gasolina ele vai consumir e a quantidade de CO2 que vai emitir. Ao comprar uma nova geladeira, é preciso escolher o modelo que consome menos energia. É importante olhar dentro de casa e desligar os aparelhos que estão ligados sem necessidade, além de substituir as lâmpadas tradicionais. Se você decidir viajar de avião nas férias, viaje, mas tente ajudar projetos de reflorestamento, por exemplo, que vão compensar as emissões de CO2 do seu vôo.

FOLHA - Na época da Eco-92, o ex-presidente dos Estados Unidos, George Bush, disse que o estilo de vida americano não era negociável. O sr. acha que agora é?
DE BOER -
Não penso que o estilo de vida seja negociável, mas acho que as pessoas ainda gastam uma imensa quantidade de energia dirigindo carros enormes, colocando o ar-condicionado em temperaturas muito baixas e utilizando aparelhos eletrodomésticos ineficientes. A essência do problema é que ainda não existe preço para a poluição. Estamos começando a ver, graças ao Protocolo de Kyoto, um pouco desse preço aparecendo. Mas com certeza o preço da poluição ainda não está refletido no preço dos produtos.

FOLHA - As mudanças climáticas são um problema criado basicamente pelas nações industrializadas. Porém, será impossível resolver o problema se os países em desenvolvimento considerarem que o direito ao progresso inclui o direito de não serem obrigados a limitar as emissões que provocam o efeito estufa. Qual será o equilíbrio concreto entre os compromissos e os direitos das nações ricas e das economias em desenvolvimento que o sr. irá promover na conferência de Bali ?
DE BOER -
Soube que a Índia talvez esteja disposta a limitar as emissões de gases-estufa no nível que o país tinha em 2005. Talvez o México possa aceitar metas para setores do aço e do cimento. A China tem falado em alcançar 20% de energia renovável. Se os recursos financeiros internacionais podem ser fornecidos para chegar a esses objetivos em forma de créditos de carbono, talvez seja um passo adiante. Então, o que eu acho, é que países em desenvolvimento poderiam, de maneira voluntária, limitar suas emissões, alcançado, ao mesmo tempo, crescimento econômico e erradicação da miséria.

FOLHA - O quanto o sr. acredita que os governos conseguiram desenvolver uma compreensão necessária para o sucesso dessas negociações?
DE BOER -
Sinto que existe uma mudança no entendimento, no modo de ver. Primeiro, a União Européia ofereceu reduzir suas emissões em 20% e chegar a menos 30% se outras nações industrializadas se juntarem a ela. Segundo, a administração de George W. Bush, dos Estados Unidos, tem indicado que quer negociar política ambiental a longo prazo e também várias economias em desenvolvimento -China, Índia, México e África do Sul- já estão criando estratégias nacionais para as mudanças climáticas. Esses países não estão esperando a chegada de recursos internacionais.

FOLHA - Como reconciliar os interesses dos países ricos e pobres?
DE BOER -
O problema do aquecimento foi causado pelas nações ricas, então elas precisam mostrar liderança na questão. Caso contrário, não seria razoável esperar que os países em desenvolvimento façam progresso. A principal preocupação desses países é o crescimento econômico e a erradicação da pobreza. A participação deles no regime para controlar a mudança do clima vai funcionar só se essas preocupações forem respeitadas. Agora, existe uma maneira de fazer uma ligação entre essas questões. Se os países industrializados assumirem metas de redução muito ambiciosas, isto vai criar uma demanda de opções baratas para conseguir reduções das emissões. Muitas destas opções existem nos países em desenvolvimento. Dessa maneira, a demanda por reduções de emissões no Norte pode ajudar a financiar o crescimento limpo no Sul.

FOLHA - O Brasil não está pronto a aceitar nenhum compromisso internacional para reduzir suas emissões de gases estufa; no entanto, o país quer dinheiro para desacelerar o desmatamento. Se o Brasil não mudar a sua posição, tenho certeza de que o sr. vai ficar desapontado.
DE BOER -
Minha impressão é que a posição do Brasil é diferente. O Brasil não quer assumir nenhuma meta redutora a nível internacional. De fato, nenhum país em desenvolvimento quer. Mas o Brasil está pronto para adotar medidas reais, mensuráveis e verificáveis para limitar suas emissões. O Brasil tem dito que, se economias de seu porte tomarem ações mensuráveis para limitar as emissões, por exemplo, melhorar a eficiência energética em x%, deveriam receber em troca dinheiro de créditos de carbono.

FOLHA - O que o Brasil pode ganhar se adotar uma atitude mais comprometida, engajada ?
DE BOER -
Na verdade eu acho que o Brasil tem uma atitude muito engajada. O Brasil contribuiu com excelentes idéias no design do Protocolo de Kyoto e eu espero que o país continue a ter um papel de liderança no processo. O Brasil tem sido um dos atores mais ativos nas negociações, mas em geral, poderia dizer que o que as nações em desenvolvimento têm a ganhar são investimentos internacionais que os conduziriam a um futuro energético limpo, com menos poluição e contas de energia mais baratas.

FOLHA - No Brasil, o governo tem enfrentado críticas ao se opor às metas para redução de emissões, por não estar pronto em contribuir mais nos esforços para mitigar as mudanças climáticas.
DE BOER -
Não estou sabendo dessas críticas, por isto, nada posso comentar.

FOLHA - Qual a importância dos biocombustíveis?
DE BOER -
Existe no momento um intenso debate internacional sobre os biocombustíveis. Uma grande preocupação é que a produção agrícola será deslocada em função do álcool e do biodiesel. Outro receio é que os fazendeiros venham a ser subsidiados para que possam produzir biocombustíveis. O Brasil tem uma longa e respeitada tradição nessa área, a partir da cana de açúcar. Na minha opinião, o principal desafio é chegar à segunda geração de biocombustíveis [a partir de celulose], na qual as sobras das colheitas vão poder ser usadas para produzir biocombustíveis.

FOLHA - Qual deveria ser a definição de sucesso para a conferência em Bali e quão otimista o sr. está para que o evento seja um sucesso?
DE BOER -
Em Bali, espero três conquistas: lançar as negociações, fechar uma futura agenda e fixar uma data para completar o processo negociador, que na minha opinião deve ser 2009. Se isso for alcançado, para mim, Bali será um sucesso. E, no momento, estou suficientemente otimista de que podemos conseguir, suficientemente confiante porque a comunidade científica internacional tem mandado um sinal muito claro de que nós precisamos tomar medidas concretas contra o aquecimento global. As emissões continuam a aumentar e temos apenas de 10 a 15 anos para diminuí-las. Mas estou começando a ver que está surgindo vontade política para realmente avançar em Bali.

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