RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
O estatuto pretende regulamentar e legitimar todas as formas de família. Ele por certo trará incômodo e talvez até arrepios
Esse projeto é produto da reflexão de dez anos de existência do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), que veio instalar novos paradigmas jurídicos para a organização das famílias.
Ele foi pensado, escrito e formatado por uma comunidade jurídica de quase 4.000 associados, entre os quais juristas, advogados, magistrados, membros do Ministério Público, professores de direito, psicólogos, psicanalistas e assistentes sociais.
O projeto de lei 2.285/07 representa o pensamento mais legítimo e contemporâneo do direito de família.
É um projeto revolucionário. Certamente, o que está ali expressado não é unanimidade, mas representa e traduz o pensamento não só de uma comunidade jurídica mas, principalmente, da realidade brasileira atual.
Desde a Constituição de 1988, as leis ficaram desatualizadas. O Código Civil em vigor, embora aprovado em 2002, foi elaborado na década de 60.
O livro da família já nasceu velho e traduz concepções morais completamente ultrapassadas.
A vida mudou, a realidade socioeconômica transformou valores e concepções, mas a realidade jurídica permaneceu atrelada a um passado que traduzia apenas concepções da família hierarquizada e patriarcal.
O Estatuto das Famílias certamente encontrará resistências de alguns parlamentares. Ele faz alterações profundas na estrutura e no sistema jurídico. É um estatuto que inclui e legitima todas as formas de famílias conjugais e parentais. Dentre as famílias conjugais, estão aquelas constituídas pelo casamento, pela união estável entre homens e mulheres e também as homoafetivas.
A família parental também se transformou. Os laços de parentesco já não se sustentam mais só pelo vínculo biológico. O direito já aprendeu, e a jurisprudência já vinha traduzindo, que a paternidade e a maternidade são funções exercidas -e isso fez surgir uma nova categoria: a parentalidade socioafetiva. Alguém que é criado como filho por um longo período é também filho legítimo, como são todos os filhos, independentemente de sua origem. Aliás, não há mais filhos ilegítimos.
Nas separações de casais, não haverá mais brigas sustentadas pelo Estado-juiz. Com o fim da culpa na dissolução do casamento, esvaziam-se os longos e tenebrosos processos judiciais de separação. Casamento acaba porque acaba. O amor acaba.
O estatuto propõe substituir culpa por responsabilidade e, assim, os filhos podem deixar de ser moeda de troca do fim da conjugalidade.
O princípio da igualdade parental induz ao compartilhamento da guarda de filhos e à compreensão de que os filhos não precisam se divorciar de seus pais, pois a separação é só do casal. A família não se dissolve nunca, o que pode acabar é a conjugalidade.
As mudanças propostas estão também no plano da prática do direito, isto é, no processo judicial. É inconcebível, por exemplo, fazer uma cobrança de pensão alimentícia da mesma forma e com a mesma lentidão com que se cobra um cheque ou uma nota promissória. A fome não espera. A cobrança do cumprimento da obrigação alimentar estará facilitada e agilizada, sem prejuízo da segurança das relações jurídicas.
Vitória para crianças, adolescentes e para a parte economicamente mais fraca, que, naturalmente, é prejudicada pela morosidade judicial, que torna tais cobranças de alimentos um verdadeiro calvário para quem precisa desse dinheiro para sobreviver.
Casamentos, uniões estáveis, famílias recompostas, monoparentais, nucleares, binucleares, homoafetivas, família geradas por meio de processos artificiais... Esses são alguns dos diversos arranjos familiares do século 21 que compõem a nova realidade, cujo ordenamento jurídico atual não traduz. A família não está em desordem.
Ela foi, é e continuará sendo o núcleo básico, essencial e estruturante do sujeito. O Estatuto das Famílias pretende regulamentar e legitimar todas as formas de família. Ele certamente trará incômodo e talvez até arrepios, mas não poderia deixar de ser a mais autêntica tradução da realidade. O PL traz consigo, em sua essência, o valor jurídico norteador de todas as relações: o afeto.
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