Estudo constata que crianças bagunceiras podem se sair tão bem na escola quanto as bem comportadas; mas, para pedagogos, a escola também deve ensinar convivência social
Camila Duarte Silva Corbo nunca foi exatamente um exemplo de aluna bem comportada. Agitada, batia nos colegas de turma, era indisciplinada e, se os professores lhe pedissem algo no qual ela não via grande utilidade, simplesmente não obedecia. O exato oposto de sua irmã, Paula, considerada por todos na escola uma criança muito tranqüila e sociável.
A expectativa de Cristina Duarte Silva, mãe delas, seguia a crença comum: crianças comportadas vão bem na escola, enquanto as bagunceiras ficam de recuperação. A surpresa veio no boletim: Camila, a agitada, sempre tirava notas altas. Já Paula repetiu de ano duas vezes e sempre precisou de professor particular - ainda mais quando o assunto era matemática. "Até hoje não sei onde vou usar uma equação na minha vida", brinca Paula, atualmente com 20 anos e estudante de moda. "Eu sempre gostei muito de estudar, principalmente matemática e ciências", conta Camila, 23, formada em educação física. Exceção à regra? Não exatamente. Um estudo recém divulgado nos EUA defende que, ao contrário do que se pensava, o comportamento não é um fator determinante para o sucesso acadêmico.
Os pesquisadores avaliaram seis levantamentos envolvendo estudantes dos EUA, do Canadá e do Reino Unido. Na primeira fase, foram coletados dados sobre o comportamento e as habilidades das crianças quando elas estavam na pré-escola (hoje chamada de educação infantil). Anos depois, quando as mesmas crianças estavam no ensino fundamental, os dados iniciais foram comparados com as notas que elas alcançavam em testes e com relatórios de professores.
A análise revelou que os melhores alunos tinham uma característica em comum: fossem briguentos ou calmos, eles geralmente possuíam, desde pequenos, boas noções de matemática. Em segundo lugar, estava a noção de linguagem - quanto mais a criança dominava aspectos relacionados a leitura, escrita e vocabulário no ensino infantil, melhores eram suas notas nos anos seguintes. Dentre os aspectos comportamentais, o único fator relevante para a aprendizagem foi a capacidade ou não de manter a atenção, segundo a pesquisa. Outras questões, como agressividade, desobediência, ansiedade e impulsividade, não foram relacionadas ao desempenho escolar das crianças nas fases posteriores.
[...] O único fator comportamental relevante para a aprendizagem é a concentração, diz o estudo
"Uma associação simples sugere que crianças que não se adaptam tendem a aprender menos", disse à Folha Greg Duncan, professor da Universidade de Norhtwestern (EUA) e coordenador da nova pesquisa. "Mas essa relação entre o comportamento na pré-escola e a aprendizagem nos anos seguintes desaparece quando levamos em conta o conhecimento [de noções de matemática e linguagem] que as crianças já tinham." Maria Irene Maluf, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, confirma o resultado da pesquisa de Duncan: mau comportamento nem sempre significa notas baixas e bom comportamento não garante sucesso escolar.
Ainda assim, ela critica aspectos do trabalho, em especial o fato de o sucesso acadêmico ser medido basicamente pela aquisição de conteúdo. "O papel da escola mudou", afirma Maluf. "Antes, a função era informar. O professor passava as informações como uma enciclopédia. Hoje, o professor é um mediador da aprendizagem, incluindo a aprendizagem social. É preciso formar o cidadão - uma pessoa capaz, autônoma e consciente. Esse trabalho começa na pré-escola, pois ninguém vai formar um cidadão aos 18 anos de idade."
"O principal objetivo da educação infantil não é o conteúdo acadêmico. O aluno não está preparado para assimilar conceitos. A criança dessa faixa etária tem noções de tempo, de números, mas a assimilação de conceitos só vai acontecer aos sete anos", afirma Fernanda Gimenes, coordenadora pedagógica da educação infantil e do primeiro ano do ensino fundamental do colégio Pueri Domus em Barueri (SP). Para ela, a educação infantil tem efeitos positivos na vida escolar do aluno quando o trabalho realizado é integral, contemplando o desenvolvimento tanto de aspectos psicológicos e afetivos quanto das habilidades cognitivas das crianças.
Para Maluf, o acompanhamento adequado nessa fase é fundamental porque é até os seis anos que se formam as principais características da personalidade da criança. "Se não mexer enquanto ela é novinha, depois fica muito mais complicado. Se ela continuar agressiva no ensino fundamental, por exemplo, o professor tenderá a mandá-la para fora da sala de aula - o que é errado- e ela aprenderá menos." Em sua pesquisa, o norte-americano Greg Duncan observou uma continuidade de problemas sociais e emocionais nas crianças que já apresentavam esse perfil aos cinco ou seis anos. "Mas isso é variável. Alguns problemas foram persistentes, mas outros, transitórios", disse.
É normal?
É essa variação que aflige muitos pais: como saber se a agressividade ou a ansiedade do filho é resultado de uma situação temporária ou sinal de um problema mais sério?
Especialistas afirmam que o primeiro passo para responder a essa questão é avaliar o próprio ambiente familiar. "Os pais devem se perguntar: eu educo bem, dou limites? Cerca de 90% dos problemas de comportamento de pré-escolares se devem à falta de educação por parte dos pais e só 10% estão relacionados a patologias neuropsiquiátricas", diz Maluf.
Alunos que não respeitam os colegas, por exemplo, podem estar apenas repetindo atitudes que vêem em casa, diz ela. Outro agravante é a superproteção: crianças que são protegidas em excesso pelos pais podem ter mais dificuldade para lidar com frustrações e reagir pior quando suas necessidades não forem atendidas.
Além disso, a agitação pode ser uma reação a fatores estressantes. "Mudanças bruscas, como a separação dos pais, e excesso de estímulos, como cursos de inglês, de balé etc., podem deixar a criança agitada. Nesse caso, seu comportamento é uma reação a uma situação ruim", afirma Luiz Renato Rodrigues Carneiro, professor de neurociência das universidades Ibirapuera e Mackenzie, em São Paulo.
Segundo ele, também é fundamental observar aspectos como a freqüência e o local em que os problemas ocorrem. A criança bateu só uma vez em um coleguinha ou isso se repete todos os dias? O mau comportamento ocorre em todos os locais ou em um ambiente específico, como a escola?
De acordo com as respostas a essas perguntas, pode ser indicado procurar um profissional especializado para fazer um diagnóstico da criança.
Entre as patologias, uma das causas mais comuns de problemas de comportamento é o TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), que, estima-se, atinge 5% das crianças em idade escolar.
TDAH
Iannis Castilho Farjo, 13, está nesse grupo. Há cinco anos, ele começou a se desinteressar pelo ambiente escolar. Na época, isso foi associado à mudança de colégio. Como o problema persistiu nos anos seguintes, a pediatra e os professores do menino sugeriram que sua família o levasse a um neurologista, onde ele foi diagnosticado com o transtorno.
"Foi uma surpresa", conta a professora Kathia Castilho, 46, mãe de Iannis. Afinal, o menino não era extremamente agitado. O que ela não sabia é que nem toda criança com TDAH apresenta o "quadro completo": algumas podem ter déficit de atenção e não serem hiperativas e outras, embora sejam muitas agitadas, podem não ter problemas de concentração.
Para aumentar sua capacidade de atenção, Iannis começou a fazer atividades como tocar violão e praticar kung fu. O processo foi acompanhado na escola por meio de medidas especiais, como a possibilidade de as provas serem acompanhadas de perto por um professor, que verifica se o aluno prestou atenção na pergunta e entendeu o que está sendo pedido.
Com o tempo, Iannis recuperou as boas notas - vai bem principalmente em geografia. A disciplina favorita? "Educação física", brinca ele.
Embora o TDAH não seja um transtorno de aprendizagem, até 30% dos casos costumam ser acompanhados por problemas desse tipo, como a dislexia, afirma Fabio Barbirato, chefe de psiquiatria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e professor da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica).
Além disso, diz, pesquisas têm observado cada vez mais a ocorrência do TDAH com outros problemas, como depressão e transtorno bipolar. O ideal, afirma, é que qualquer transtorno seja identificado o antes possível, já que isso facilita o tratamento.
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