Saca do carioquinha subiu 10% ontem e foi a R$ 220 em SP; em 30 dias, alta é de 51%
Um dos motivos para a alta é a baixa oferta de feijão de boa qualidade; a partir de dezembro, mercado começa a voltar ao normal
José da Silva foi assaltado ao sair de um supermercado em São Paulo. Ligou para casa e ouviu a tradicional pergunta da mulher: "Levaram tudo?". "Não, deixaram a carteira, mas levaram os dois quilos de feijão que eu havia comprado", respondeu Silva.
A piada, que corre entre entre os participantes desse mercado de São Paulo, mostra como os preços estratosféricos do feijão já afetam produtores, varejo e consumidores.
A saca de feijão do tipo carioquinha de melhor qualidade atingiu R$ 220 ontem no mercado paulista, com alta de 10% no dia e de 51% em 30 dias.
As cotações são do Instituto de Economia Agrícola, órgão da Secretaria paulista de Agricultura. Na Bolsa de Cereais de São Paulo o produto especial também subiu, sendo negociado a R$ 210 por saca ontem.
A alta ocorre porque já não há uma boa oferta de produto de qualidade, diz um participante diário do mercado de feijão na tradicional Bolsinha da capital paulista, região da área central de São Paulo onde se concentra boa parte da comercialização do produto.
É a primeira vez que o feijão atinge preços tão elevados no Plano Real. E esses valores seriam ainda maiores se o consumidor não estivesse reagindo. Na avaliação de uma das grandes empresas empacotadoras do setor, o consumo reage no mesmo ritmo dos preços, mas em sentido inverso.
As indústrias de processamento e os consumidores podem esperar por novos preços vindos do campo. O cerealista Geraldo Bortoloto, assíduo freqüentador do campo em busca de feijão na região oeste do Estado de São Paulo, diz que a saca atingiu R$ 210 ontem.
A pouca oferta de feijão de qualidade e a disputa pelo produto também pelos cerealistas do Nordeste esquentaram ainda mais o mercado, afirma.
A alta dos preços no varejo passa pela produção. Margorete Demarchi, engenheira-agrônoma do Deral (Departamento de Economia Rural), da Secretaria paranaense de Agricultura, diz que o setor vive o pico da entressafra. A oferta é menor e só começa a se normalizar a partir de dezembro, quando o Paraná, maior produtor nacional, inicia a colheita da primeira safra -são três por ano.
A entressafra deste ano tem oferta menor do produto porque a área semeada no Paraná foi 24% inferior à anterior, devido aos preços e ao clima. Já a produção deve cair 15%.
Demarchi diz que os preços médios do feijão no primeiro semestre desincentivaram os produtores, que optaram por milho, soja ou fumo, culturas com indicação de preços mais rentáveis.
Os preços só começaram a melhorar, no entanto, quando os produtores já se preparavam pela substituição do produto por outras culturas, diz a engenheira-agrônoma do Deral.
A primeira safra paranaense, que começa no próximo mês, deve ser de 476 mil toneladas, abaixo das 561 mil de igual período de 2006. Já a área, que havia somado 409 mil hectares no ano passado, recua para 310 mil neste ano, conforme a mais recente estimativa do Deral. Novas avaliações podem mostrar situação ainda pior, principalmente no que se refere à área, segundo Demarchi.
Os preços baixos deste início de ano retiraram do mercado parte dos grandes produtores, que atuam na Bahia, Goiás e Minas Gerais e que têm cultivo de feijão irrigado.
Cana compete
Mas não são apenas os preços e o clima que estão reduzindo a oferta. O crescente avanço do plantio de cana-de-açúcar no interior paulista está ocupando áreas que tradicionalmente eram destinadas ao feijão.
Nos últimos dois anos em São Paulo, a cana-de-açúcar passou a ocupar, em média, 100 mil hectares que anteriormente eram destinados ao plantio de feijão.
Em Minas Gerais e em Goiás, a queda foi de 10 mil a 15 mil hectares e, no norte do Paraná, de 20 mil a 30 mil hectares, segundo Vlamir Brandalizze, do informativo "Mais Feijão".
Para Brandalizze, além do retorno financeiro, a permuta se deu em virtude da facilidade do manuseio da cana em comparação ao do feijão.
O feijão perdeu área também nas plantações irrigadas de Minas Gerais. Devido ao gasto com água, bombeamento e equipamentos, esse tipo de plantação apresenta custo muito maior se comparado ao das áreas que não apresentam tal tecnologia. Nesse tipo de plantação, a cana-de-açúcar mostrou-se ainda mais produtiva.
Mas, segundo Brandalizze, a "febre" da cana não tende a continuar. Para ele, o produtor que migrou há dois anos para o cultivo da planta realmente ganhou, mas migrar agora pode ser arriscado.
Já Elcio Bento, analista de feijão da Safras & Mercado, acredita que o principal problema foi o preço do produto. Para Bento, a primeira safra (a das águas) teve excesso de mercadoria de baixa qualidade, o que acabou desestimulando o produtor a investir no plantio da segunda safra (safrinha).
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