09 novembro 2007

O FIM DE UMA HISTÓRIA DE CALOTES

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

O financiamento da saúde no Brasil, nos últimos 30 anos, tem sido uma história de calotes repetidos

O financiamento da saúde no Brasil, nos últimos 30 anos, tem sido uma história de calotes repetidos. Nas disposições transitórias da Constituição de 1988 e com a aprovação das primeiras leis de diretrizes orçamentárias, tínhamos a garantia de que 30% do orçamento da seguridade social seria destinado à saúde. Isso nunca aconteceu. Hoje, 30% corresponderiam a R$ 105 bilhões - portanto, mais que o dobro do que é destinado à área, e não mais que o necessário.
A CPMF foi votada em 1997 com a garantia de sua destinação exclusiva para a saúde, que ficou apenas com pequena parte. E, o que é pior, substituindo verbas vinculadas à saúde e desviadas para outras finalidades.
Hoje, o governo arrecada R$ 39 bilhões com esse tributo. Caso esse calote não tivesse sido praticado, o sistema público de saúde disporia de R$ 20 bilhões a mais do que recebe, ou seja, US$ 320 por habitante/ano (a Argentina gasta US$ 380).
Outro calote importante é o do sistema privado sobre o público. Em acórdão recente (n.º 1.146/2006) realizado a nosso pedido, o Tribunal de Contas da União demonstrou que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) cobra apenas um terço do que deveria (obrigada pela lei 9.656) a título de ressarcimento das operadoras de planos de saúde para o SUS (Sistema Único de Saúde) quando elas o usam para seus usuários - e, do que é cobrado, a ANS só consegue receber 5,9%.
Somam-se aí a esperteza dos planos, a generosidade e a incompetência da ANS e a complacência do governo. Calcula-se que essa apropriação indébita chegue a mais de R$ 1 bilhão por ano.
Há poucos dias conseguimos, depois de muita pressão, discutir a regulamentação da emenda 29 no Congresso Nacional, após sete anos de sua promulgação.
Um excelente projeto propunha a participação financeira dos municípios, dos Estados e da União na saúde em, respectivamente, 15%, 12% e 10% dos seus Orçamentos, o que daria um aumento de 50% das verbas federais da saúde, corrigindo boa parte dos calotes passados e fazendo um acréscimo ao gasto per capita/ano de cerca de US$ 60, levando-o a US$ 320. E, o mais importante, vinculando um percentual dos recursos federais à saúde, da mesma forma que Estados e municípios, e impedindo o uso indevido das verbas.
O governo reagiu e veio com uma contraproposta sem vinculação federal e um acréscimo, por quatro anos, com valores da CPMF para obrigar o Senado a votá-la favoravelmente.
Nós, da oposição, DEM e PSDB, pressionamos e o governo mudou a proposta em vários itens. Mas, ao final, quando a pressão atingiu o máximo - em um ponto, particularmente, de grande relevância-, que foi considerar o Orçamento de 2011, com um acréscimo substancial da CPMF (aproximadamente de R$ 8 bilhões a R$ 10 bilhões, mais os acréscimos anuais de porcentagens semelhantes às do crescimento do PIB) como piso para a continuidade, isso significou ao mesmo tempo a recuperação de perdas anteriores e, de certa forma, a vinculação que desejávamos. Continuamos a pressionar para a área econômica não conseguir a retroação e a aprovação se deu.
Nossa proposta original perdeu, mas a saúde ganhou graças à pressão que exercemos no plenário até de madrugada, somada à pressão continuada da Frente Parlamentar de Saúde nos últimos cinco anos. A democracia fez-se sentir pela atuação legítima da oposição. O Congresso teve uma vitória.
A pressão agora precisa continuar para a descentralização desses recursos. Os municípios estão colocando mais do que 15%, enquanto só seis ou sete Estados cumprem os seus 12%, e também porque é nos municípios que está a atenção primária que precisa ser totalmente recuperada para prevenir e aí resolver 80% dos problemas de saúde.
Com esse financiamento e com boa gestão, poderemos diminuir pela metade nossos índices de morbiletalidade, que são vergonhosamente superiores aos de todos os países da América Latina com a mesma renda per capita que a nossa.

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