30 agosto 2007
VÁRIOS MUNDOS, DOIS GOVERNOS
ELIANE CANTANHÊDE
Uma senhora de 94 anos, reclamando o corpo do filho que desapareceu em 1974, aos 24 anos, é de doer em qualquer coração. Foi o que ocorreu ontem, quando Elzita Santa Cruz pegou o microfone e pediu que, antes de morrer, lhe permitissem enterrar o filho.
A cena, pujante, foi no Planalto, durante o lançamento do livro "Direito à Memória e à Verdade", documento oficial do governo acusando o regime militar por torturas e mortes de opositores.
Lula prometeu que vai fazer tudo para devolver os corpos dos desaparecidos. A promessa vem do primeiro mandato, mas como encontrar corpos 30 anos depois, no meio de uma selva fechada e úmida?
A solenidade, em que Lula falou em "busca de concórdia", reuniu familiares das vítimas, ministros do atual governo (inclusive vítimas da ditadura, como Dilma Rousseff) e tucanos que deflagraram, no governo FHC, o processo de reconhecimento de mortos e desaparecidos. Muitos choraram.
Serviu, assim, para um raro momento de trégua entre as eras Lula e FHC e também para desviar o foco da decisão do Supremo Tribunal Federal de acatar a denúncia contra os agora 40 réus do mensalão.
O governo Lula esteve ontem dividido em dois: um, no Planalto, confortando as famílias dos que caíram lutando contra a ditadura militar; o outro, no banco dos réus, com três ex-ministros processados, dois deles do "núcleo duro" original.
Num mundo à parte, estiveram os militares, longe tanto da cerimônia do Planalto como das agruras de Dirceu, Gushiken, Anderson Adauto. Como observadores. Quem representou as Forças Armadas no lançamento foi o ministro da Defesa, Nelson Jobim - aliás, um elo concreto entre FHC e Lula.
Ele deixou claro que não aceita manifestações de insubordinação por causa do livro: "Se houver, terá resposta", avisou. Solenidades passam, militares ficam.
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