15 agosto 2007

Três Maracanãs

Editorial da Folha de S. Paulo

Só pressão da sociedade fará a Câmara enterrar projetos que criam trem da alegria com 260 mil poltronas para servidores

A CÂMARA dos Deputados se articula para dar mais um bote na sociedade. Ela está preparando um dos maiores trens da alegria de que se tem notícia, que poderá beneficiar mais de 260 mil servidores.
Como num passe de mágica, esse exército de funcionários, equivalente à população da cidade de Foz do Iguaçu ou a quase três estádios do Maracanã lotados, ganharia estabilidade ou seria efetivado sem a necessidade de prestar concurso público.
A esparrela é uma obra coletiva que tomou a forma de duas propostas de emenda constitucional (PECs). A primeira, nº 54/1999, originalmente apresentada pelo então deputado Celso Giglio (ex-PTB-SP, hoje no PSDB), dá estabilidade a cerca de 60 mil servidores contratados sem concurso entre 5 de outubro de 1983 e 5 de outubro de 1988, quando a Constituição estabeleceu que o ingresso no serviço público dependeria de aprovação em exames específicos.
Provavelmente por considerar 60 mil pouco, alguns deputados apuseram emendas à PEC que ampliam o número de favorecidos. A mais contundente delas determina a efetivação de funcionários hoje contratados para serviços temporários nos Estados, municípios e na União. É difícil precisar quantos seriam beneficiados pela medida, mas técnicos da Câmara estimam que eles sejam, só em âmbito federal, algo como 200 mil almas.
A segunda PEC, nº 2/2003, de autoria de Gonzaga Patriota (PSB-PE), escancara as portas para um outro tipo de farra no funcionalismo, ao criar atalhos para os mais cobiçados postos da administração. Basta que o candidato à prebenda seja aprovado num concurso público para qualquer cargo de qualquer prefeitura do interior de qualquer Estado e seja requisitado por um deputado para trabalhar na Câmara, por exemplo. Se a PEC 2 for aprovada, ele poderá optar por efetivar-se como funcionário do Legislativo federal e não no cargo para o qual foi aprovado.
Evidentemente, são numerosos os casos de deputados que levam para seus gabinetes, a título de requisitados, parentes e amigos que prestaram concurso nos seus municípios de origem.
É um acinte que, num momento em que se fala na necessidade premente de melhorar os quadros da administração pública e cortar privilégios injustificáveis, parlamentares venham propor bandalheira desse calibre.
É preciso que a sociedade mantenha sob forte pressão os deputados, única maneira de assegurar que as PECs sejam enterradas. Um trem da alegria com no mínimo 260 mil poltronas é só o que falta para dinamitar a combalida imagem do Congresso.

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