DENIS LERRER ROSENFIELD
Só os "inocentes" podem acreditar que o atual governo e o PT estejam realmente preocupados em fazer uma reforma política
O governo, normalmente lento, apressou-se em fazer aprovar pela Câmara dos Deputados uma proposta de fidelidade partidária que termina legitimando o status quo. Desde o primeiro mandato, Lula e equipe têm fomentado a infidelidade partidária, com intuito de aumentar a base partidária de sustentação. Fizeram de vários partidos simples apêndices de seus fins particulares, desestruturando, ainda mais, a representação política. O propósito foi -e é- fazer do Legislativo uma mera caixa de ressonância do Palácio do Planalto.
Neste segundo mandato, o mesmo processo teve prosseguimento, com o enxugamento dos partidos de oposição em proveito de pequenos partidos que, assim, inflaram.
Diante desse descalabro, que se torna uma ameaça para as instituições republicanas, o TSE se posicionou contra a infidelidade partidária, atribuindo os mandatos parlamentares aos partidos, e não aos seus detentores individuais. Vingando essa posição, os parlamentares infiéis perderiam seus mandatos.
A decisão final está para ser proferida pelo STF. As indicações parecem sinalizar para uma confirmação da decisão tomada pelo TSE. Ora, perante essa nova situação, o governo, por intermédio do PR, um dos partidos favorecidos pela "inflação parlamentar", se apressou em fazer aprovar uma proposta de fidelidade partidária "flexível": uma verdadeira anistia.
Só os "inocentes" podem acreditar que o atual governo e o PT estejam realmente preocupados em fazer uma reforma política. Pelo contrário, tudo fizeram para que ela não ocorresse. Do ponto de vista público, no entanto, foi alardeado que a reforma política seria a "mãe" de todas as reformas, sua urgência sendo uma prioridade nacional.
Ora, ela não é mãe ou avó de nenhuma reforma, mas uma grande encenação que serve, demagogicamente, para mostrar que algo está sendo feito. A reforma tributária ou a trabalhista, por exemplo, não dependem minimamente da reforma política.
Contudo, nem tudo é uma mera distração para ocupar o espaço público. Primeiro, o foco deixa de ser as outras reformas. Enquanto a discussão sobre a reforma política persistir, as outras são transferidas para as calendas gregas. Segundo, enquanto a distração persistir, outros projetos políticos podem fazer o seu caminho, pois maior atenção não lhes será dada.
Dentre esses projetos, um merece particular destaque. O antigo Campo Majoritário e todas as mais importantes tendências petistas estão propondo uma assembléia constituinte exclusiva para a reforma política. O objetivo consiste em aprovar uma resolução no Congresso do PT, de modo que essa se torne uma posição oficial.
Ora, se nenhuma reforma política não foi feita nos últimos quatro anos e meio, é porque o governo e o PT simplesmente não a quiseram, pois tinham ampla margem partidária para isso, não necessitando dos votos dos partidos oposicionistas. Se faltassem, os mecanismos persuasivos da "infidelidade" estavam à disposição, como foram de fato usados.
Logo, podemos fazer uma singela pergunta: por que o súbito interesse em uma assembléia constituinte exclusiva para votar a reforma política? Não pode ser o objetivo alardeado de fazer enfim a "mãe" de todas as reformas. Isso simplesmente não faz o menor sentido. Coibir a corrupção tampouco o faz, pois o PT nem foi capaz de punir os seus elementos envolvidos nos vários escândalos. A sua comissão de ética tem tanta poeira quanto teias de aranha.
O seu propósito só pode ser partidário, o de encontrar uma fórmula que lhe possibilite preservar o poder.
O partido não tem, hoje, nenhum candidato competitivo para a próxima eleição presidencial. Isso não significa, evidentemente, que não possa criá-lo nos próximos anos. No entanto, dada a popularidade do presidente Lula, uma eventual reeleição, se fosse constitucionalmente permitida, seria uma grande probabilidade.
É nesse espaço que se insere a proposta de uma assembléia constituinte exclusiva para a reforma política. Ela poderia resolver facilmente o problema constitucional, alterando a Constituição graças a esse fórum especial.
A justificativa seria a de que assim o quis a vontade do povo, soberana para efetuar tal mudança. A mobilização partidária e dos ditos movimentos sociais apresentariam o enquadramento propriamente "popular", nos melhores moldes do ditador venezuelano de controle da participação política e dos cidadãos em geral.
Para um governo que acaba de ter um surto cubano com a deportação dos boxeadores, um surto chavista seria apenas uma conseqüência "natural", socialista.
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O que será do Brasil?
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