14 agosto 2007

A ÚLTIMA DO CONTRAN

MARIA INÊS DOLCI

Sábios do Contran reuniram-se, e saiu a fumaça branca: o problema do trânsito é o roubo de veículos. Não é.

Tem gente que não aprende, diz a sabedoria popular, sobre aquelas pessoas que gostam de repetir, sempre, os mesmo erros. E que não ousam cometer novos erros, como preconizava Winston Churchill, que comandou a Inglaterra à vitória na Segunda Guerra.
Ora, o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) obrigou, em 1997, que cada veículo tivesse um estojo de primeiros socorros. Quase dois anos depois, essa lei foi revogada. Milhões de brasileiros ficaram com um estojo branco e pouco útil em casa, porque os ferimentos provocados por acidentes de trânsito costumam ser sérios -e demandam bem mais do que gaze e esparadrapo.
Aprenderam com a revolta que isso provocou, até a revogação da lei? Não.
Agora, dez anos depois, uma nova pérola surge na concha do Contran. Uma pérola estranha, digamos. Uma resolução do conselho obriga os fabricantes de automóveis a instalar um dispositivo contra roubo, que permite o rastreamento do veículo. Em 2009, nenhum carro, moto, ônibus ou caminhão poderá sair de fábrica sem esse item instalado.
Que bom, não, o consumidor terá mais facilidade para recuperar seu veículo sem custo? Aí está a maldade embutida na resolução. Não só o consumidor pagará mais caro por um acessório que não pediu, que não escolheu, como terá que pagar o serviço de rastreamento. Uma maravilha para quem fabrica o equipamento, para quem presta serviços de rastreamento e para as seguradoras, pois deve reduzir o índice de veículos roubados e não recuperados.
O consumidor ganhou um top-top, algo que já se tornou uma prática nos últimos anos. O interessante é que isso foi feito assim, sem uma grande consulta popular. Sábios do Contran reuniram-se, e saiu a fumaça branca: o problema do trânsito no Brasil é o roubo de veículos. Não é.
Nosso problema número um, todos sabem, é a carnificina das ruas e estradas esburacadas, que ceifa milhares de vidas todos os anos. Um triste campeonato em que a medalha ninguém gostaria de receber. Isso decorre da conjugação de falta de educação e responsabilidade dos motoristas, que não respeitam sinalização, limites de velocidade e tampouco a vida (a sua e a dos outros).
Além disso, os veículos só contêm itens como airbag e freios ABS nos pacotes de opcionais mais caros. Em que se é obrigado a adquirir, junto com os itens de segurança, por exemplo, espelho elétrico, rodas de liga leve e CD player.
Fica claro, evidente, que o Contran se preocupou mais com os fabricantes do equipamento rastreador, com as empresas que oferecem esse serviço e com as seguradoras do que com motoristas e passageiros.
É lamentável que isso aconteça nas nossas fuças. Preocupa tamanha despreocupação com o que é mais fundamental no trânsito. Realmente, o Contran merece o troféu Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) de eficiência. Ou melhor, medalha. Estamos na temporada das medalhas.

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