21 agosto 2007

A ORIGEM DE UM DIREITO

RITA CAMATA

Os motivos que originaram o direito das mulheres à aposentadoria 5 anos antes persistem, pois nada mudou na desigualdade entre sexos

É curioso e bastante educativo observar a origem de alguns direitos. Sabemos que uma determinada conjuntura que origina um direito pode se alterar de tal forma que o direito deve ser revisto.
Pensemos, por exemplo, no Código Civil de 1916. O inciso IV do artigo 219 estabelecia como um dos motivos para a separação "o defloramento da mulher, ignorado pelo marido". Ou seja, o marido tinha o direito de se separar de sua esposa se descobrisse que ela não era virgem antes do casamento. Com o novo código, o legislador entendeu que tal dispositivo não mais condizia com a realidade da sociedade, que não se tratava de um direito justo e o suprimiu.
Outros direitos acabam se tornando privilégios e devem ser combatidos, como o período de férias de 60 dias para a magistratura. Está em andamento o Fórum Nacional de Previdência Social, que tem por objetivo promover o debate para aperfeiçoar os regimes de previdência social.
Sempre que se fala na necessidade de nova reforma da Previdência, alguns estudiosos, inclusive aqueles que afirmam ter trocado muitas fraudas, lançam a idéia de acabar com a aposentadoria com tempo inferior para as mulheres. Defendem que não é justo mulheres de "classe média" se aposentarem aos 55 anos de idade.
Tais estudiosos esquecem que, para se aposentarem com 55 anos, as mulheres devem ter começado a trabalhar com pelo menos 25 anos e que, ao se aposentarem com idade inferior a 60 anos, seu benefício será bastante reduzido pelo fator previdenciário.
Analisemos a partir de um ponto que julgo principal: os motivos que originaram o direito das mulheres à aposentadoria cinco anos antes dos homens persistem? Ou, como no exemplo do Código Civil de 1916, desapareceram e clamam pela mudança da legislação?
Esse direito surgiu da necessidade de compensar as mulheres pelos efeitos da dupla jornada de trabalho. Ao ingressarem no mercado de trabalho, elas continuaram com a responsabilidade sobre a casa e os filhos e com tantas outras atribuições ainda não compartilhadas integralmente com seus companheiros. Isso sem mencionar a diferença salarial -as mulheres ganham menos- e os cargos inferiores para a mesma qualificação.
Nada disso se alterou, e a situação se confirma com os dados que revelam a necessidade da manutenção da compensação.
Pesquisas indicam, por exemplo, que as mulheres são as principais vítimas da hipertensão. As mortes por esse motivo já são seis vezes superiores àquelas causadas por câncer de mama. Uma das causas apontadas para essa doença silenciosa é exatamente a dupla jornada. Dados do IBGE revelam que, na faixa etária entre 50 e 64 anos, o índice de diagnóstico de doença crônica é de 57,4% para homens e de 70,8% para mulheres. Na faixa entre 40 e 49 anos, tal índice é de 40,9% para homens e de 51,8% para mulheres. A diferença é gritante, e comprovadamente as mulheres estão mais suscetíveis a essas doenças pelo estresse, e não pela carga genética.
Mesmo diante de tais dados, os defensores da "nova reforma" insistem: deve haver outra forma de compensá-las sem comprometer as contas da Previdência Social, até porque isso já foi feito em outros países.
Concordo inteiramente. Ocorre, porém, que a aposentadoria com tempo diferenciado não é um privilégio das mulheres. É um direito social legitimado, entre outros fatores, pela necessidade familiar.
Quanto às contas da Previdência Social, elas podem encontrar o equilíbrio atuarial sem passar por cima desse direito social. Basta combater as fraudes, os desvios e, principalmente, reconhecer seu papel de política pública voltada para todos que já contribuíram para o desenvolvimento do país por meio de seu trabalho.
Quando o Estado brasileiro garantir políticas públicas capazes de suprir essa compensação, quando a sociedade evoluir para uma mentalidade de verdadeira igualdade entre homens e mulheres, quando alcançarmos o que hoje ainda é uma utopia, serei a primeira a propor que homens e mulheres se aposentem mediante os mesmos critérios.


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O que você pensa sobre isto: é justo?

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