30 agosto 2007

A EDUCAÇÃO PELA BRINCADEIRA


ROSELY SAYÃO

Ao andarmos pelas cidades, cruzamos com várias crianças pequenas, com menos de seis anos, acompanhadas de adultos ou apenas de crianças pouco maiores. Elas pedem esmola, vendem doces, lixas, flores etc. São as nossas crianças que realizam trabalho infantil.
Há também um número expressivo de crianças dessa idade que ficam em casa, muitas vezes sem adultos, por falta de vagas suficientes nas instituições públicas de educação infantil. E, finalmente, há as que freqüentam a escola de educação infantil, quase sempre por meio período no dia.
Será que existe algo em comum entre crianças com vidas tão diferentes? Sim: muitas delas não têm espaço e tempo para brincar. As primeiras porque já têm responsabilidade de gente grande: precisam produzir renda para a família. As do segundo grupo porque passam horas em frente à TV. E as do terceiro porque, quando estão em casa, também vêem TV: pesquisas mostram que as crianças brasileiras passam de quatro a cinco horas por dia assistindo à televisão. Ah, mas estas últimas têm um espaço e um tempo certos dedicados à brincadeira quando vão à escola, certo?
Errado. Em geral, nem a escola permite que as crianças brinquem no período em que lá ficam. E vários motivos contribuem para isso. Em primeiro lugar, construímos um problema sério para a educação infantil: os professores não são valorizados e são colocados em patamar inferior ao dos demais docentes. Os pais precisam saber que os professores que lecionam no ensino médio ganham mais do que os que ensinam no segundo ciclo do fundamental, que, por sua vez, recebem salários maiores do que os que trabalham no primeiro ciclo. Os que se dedicam à educação infantil constituem a classe D nas camadas sociais criadas na escola, independentemente da formação, da experiência e da excelência na realização do trabalho. O salário é apenas um sinal do que se espera desses professores.
Nos países em que a educação é tratada com seriedade, os professores dos mais novos têm de ter sólida formação -e não só metodológica e técnica mas também cultural.
Com a política que adotamos, criamos uma ligação muito estreita entre o trabalho desses professores e o doméstico. Não é à toa que, principalmente nesse ciclo, as professoras são chamadas de "tia".
Para tentar dar um ar mais profissional a esse trabalho, muitas escolas decidiram investir no ensino de conteúdo, realizando uma caricatura do ensino fundamental. Isso acaba por abolir o espaço para o lúdico. Chegamos ao ponto de termos crianças com três ou quatro anos que precisam aprender a escrever e que levam lição para ser feita em casa! Pelos pais, evidentemente.
Aliás, só estes podem ajudar a mudar tal quadro: Exigindo que as políticas públicas e as escolas privadas valorizem o profissional de educação infantil, teremos chances de oferecer às crianças profissionais qualificados capazes de acompanhá-las na descoberta de si e do mundo pela brincadeira.

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