02 agosto 2007

O MESMO ROTEIRO

Editorial da Folha de S. Paulo

Acuado, Lula reincide na tática de atacar "elites", mas governo tem é de mostrar serviço e resolver a crise na infra-estrutura

Em caso de emergência, acuse as elites. Esse protocolo para reações de última instância, uma marca de estilo do governo Luiz Inácio Lula da Silva, acaba de ser acionado mais uma vez. "Se alguns querem brincar com a democracia, eles sabem que neste país ninguém sabe colocar mais gente na rua do que eu", exagerou o presidente em Cuiabá.
No evento restrito a aduladores em que anunciou verbas do PAC, ganhou uma viola pantaneira e programou uma pescaria com o governador Blairo Maggi (PR), Lula pôs-se a teorizar sobre a fonte das vaias e dos protestos que vem recebendo. Viriam dos que "mais deveriam estar aplaudindo", pois "ganharam muito dinheiro no meu governo". "É só ver quanto ganharam os banqueiros, os empresários."
Na perífrase que fecha a caracterização dos oponentes, Lula atacou "gente que ficou contente com os 23 anos [foram 21] de regime militar e está incomodada com a democracia, porque a democracia pressupõe o pobre ter direitos". A pior elite - endinheirada, demófoba, golpista e, como se não bastasse, ingrata - conspiraria contra o presidente que veio do povo e faz política "sem discriminação".
Lula acusou o golpe, como se diz no jargão comum à política e ao boxe. Desde o início da campanha do segundo turno - quando ficou claro que ganharia mais quatro anos de mandato com uma margem confortável de votos - até poucas semanas atrás, o presidente vinha flanando.
A displicência na tarefa de definir a equipe de governo, o loteamento agressivo de cargos federais, as suspeitas contra o presidente do Senado (figura central no governismo) e dez meses de descontrole acumulado nos aeroportos não conseguiram despertar a opinião pública de um certo estado de anestesia em relação às atitudes do governo. Essa "lua-de-mel" foi pelo menos interrompida após o episódio da vaia no Maracanã e, com muito mais contundência, depois da catástrofe com o avião da TAM.
As pessoas que protestaram em São Paulo diante do prédio destruído pelo Airbus foram solidárias à dor de familiares e amigos dos 199 mortos na tragédia. Há críticas à criação do movimento denominado "Cansei", que acabou associado a figuras próximas à oposição e a um certo ar de frivolidade. Mas todos têm o direito de se manifestar.
Não procede, tampouco, a acusação de golpismo. O "Fora Lula" ameaça tanto a democracia quanto o "Fora FHC", entoado pela militância petista, a ameaçava no passado - em nada. Nem se pode acatar o argumento, implícito nas críticas do governismo, de que a organização de protestos seja direito circunscrito às elites oriundas do sindicalismo.
A velha tática lulista de atiçar um conflito social arquetípico não vai funcionar. O que está em jogo não é uma eleição, mas a própria (in)capacidade administrativa do governo. A crise na infra-estrutura se resolve com muito trabalho e ações, itens que têm permanecido em crônico apagão ao longo da gestão Lula.

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"... deixe o homem trabalhar."
Pelo jeito, foi apenas marketing político.

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