"Nunca, neste mundo tumultuado, perigoso e tão fascinante, o pai foi tão importante. Não importa se é pai separado, pai solteiro, pai sem grana, pai sem graça ou pai que a mãe procura diminuir"
Deixei de lado o artigo em que ia retomar temas por demais recorrentes que me entristecem, como os mortos das duas tragédias aéreas recentes. Tragédias que eram esperadas, como a indignação que desencadearam, porque o caos aéreo vinha sendo denunciado havia tempos. Até nosso presidente, em 2002, ainda candidato, publicou um veemente artigo sobre "a morte anunciada da aviação brasileira", exigindo providências. Mas até dias atrás nada tinha sido feito ainda.
Vou tentar – sou má cumpridora de meus propósitos – focar a atenção nos meus temas queridos, vida e morte, relacionamentos humanos, o mistério de tudo e o sentido de algumas coisas. (Antes, desejo boa sorte ao novo ministro, o que não diz bobagens a cada duas frases, o que tem autoridade, energia e boa vontade, e talvez consiga começar a botar nos trilhos o que anda à deriva por aqui. Porque a gente precisa não só de uma tábua de salvação, mas de uma ilha inteira, um continente.)
Falarei do assunto mais óbvio, nesta véspera de Dia dos Pais: este não precisa ser um tema sentimentalóide ou artificial. Pode ser provocador, mexer com nossos sentimentos, com nossa culpa e desculpas... e por isso escrevo. Estive recentemente num aeroporto esperando uma pessoa. Junto a mim, uma jovem mãe com sua filhinha de uns 4 ou 5 anos. De repente, desembarcou um grupo, vindo pela sala da esteira, e a menina correu para o vidro que a separava de onde devia estar seu pai. Ficou atenta, olho arregalado. Então a mãe disse alto e claro apontando para alguém: "Olha ali, o boca-aberta do seu pai!". Meu coração bateu em falso. Que representação da figura paterna aquela moça passava para a criança, talvez sem se dar conta, por ignorante, ou de propósito, por magoada? Doeu-me ainda mais quando vi um rapaz de cara iluminada vir ao encontro delas, pegando nos braços, cheio de ternura, a filhinha que esperneava de alegria.
É duro o papel do homem na família. E não me critiquem – ou me critiquem à vontade – as mães metidas a mártires, que por interesse ou covardia ficam ao lado de um homem a quem desprezam, que querem cooptar os filhos por frustradas e alijar emocionalmente o pai, mostrando-o como mero provedor. Afinal, a gente precisa dele. Sempre me impressionou a solidão dos homens, medida também da solidão de suas mulheres, que têm uma poderosa ponte afetiva para filhos, famílias, amigas ou vizinhas, algo que o marido raramente tem.
Lembrei-me, naquele dia e muitas vezes, da importância da figura paterna – portanto, masculina – em minha vida. Quando eu era criança, o carro de meu pai entrando pelo portão, seu passo no corredor, o cheiro de sua água-de-colônia, sua máquina de escrever batucando noite adentro na biblioteca do outro lado da parede do meu quarto, tudo isso era mais que metade da minha segurança e felicidade. Seu jeito de falar comigo, nunca como se eu fosse uma criança boba, mas uma pessoa, suas respostas às minhas eternas curiosidades, seu acolhimento, sua paciência, até sua brabeza. Sua preocupação comigo, sua severidade em questões de vida escolar (em que eu era apenas sofrível), seus elogios e seu interesse, tudo me marcou tanto que ainda hoje, tantas décadas depois, me pego pensando: o que será que ele diria disso? O que me aconselharia? Que palavras escolheria para me confortar, animar ou até censurar?
O personagem positivo, amoroso, do pai que cuidava sem podar, atendia sem cobrar, acompanhava sem aprisionar, e me fazia sentir uma princesa mesmo que estivesse atrapalhada, é fundamental para minha relação com o mundo, sobretudo com o masculino. Não conheci o homem arrogante e bruto, egoísta, tirano, infantilóide ou metido a garotão, de que tantas mulheres se queixam, como pai ou companheiro, e por isso lhe agradeço ainda hoje. Conheci o masculino confiável – não perfeito, porque apenas humano, mas presente e bom. Por isso, possivelmente, não cresci desconfiada dos homens, nem agressiva, nem irônica. Não por virtude minha, mas pela beleza e bondade daquela presença primeira.
Nunca, neste mundo tumultuado, perigoso e tão fascinante, o pai foi tão importante. Não importa se é pai separado, pai solteiro, pai sem grana, pai sem graça, pai sem muito jeito, pai que a mãe procura diminuir, ou pai amado e feliz. O amigo, o orientador, que dá apoio, que confia, que indica os caminhos (e nos ama mesmo se não seguimos por eles), é um bem inefável. Todo pai devia se orgulhar e se comover por ter esse papel. Com defeitos e dificuldades, como todo mundo, sendo apenas um pobre ser humano como todos nós, o pai tem de ser glorificado, procurado, amado, aplaudido, pelo menos no dia a ele dedicado. E, se puder ser, de um jeito ou de outro, todos os dias, é o que a gente – mulheres, homens, filhos e filhas – merece e devia tentar.
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Que Deus nos ajude a sermos cada dia pais melhores.
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