16 agosto 2007

30 DIAS PARA TRAIR

Editorial da Folha de S. Paulo

Com "fidelidade" que prevê um mês por biênio para trocas de partido à vontade, deputados caçoam dos cidadãos

Os deputados federais brasileiros acabam de deixar mais uma marca na história universal do despautério político. Não é todo dia que se consegue produzir algo como a janela bianual de 30 dias franqueando o troca-troca partidário.
A invenção brotou na noite de anteontem, na votação de um projeto de lei complementar de autoria de Luciano Castro (PR-RR). Na sua origem, o texto tornava inelegíveis por quatro anos, contados a partir da diplomação, políticos que trocassem de legenda no decurso do mandato.
Até aí, tudo ótimo. Tratava-se de versão de um mecanismo inteligente - similar ao que o Senado aprovara havia seis anos- para induzir à fidelidade partidária sem, no entanto, lançar mão de medidas drásticas como a cassação do mandato. Mas, na passagem pela Comissão de Constituição e Justiça, a proposta foi corrompida e transformada num dispositivo patético.
No projeto aprovado com o voto de 292 parlamentares, a fidelidade partidária vigora por 23 meses em cada período de dois anos. Ao longo desse tempo, o político que mudar de sigla não só fica inelegível por quatro anos como pode ter o mandato cassado, mediante ação de seu partido de origem na Justiça Eleitoral.
Os deputados, contudo, ofereceram um período de graça a si mesmos. A fidelidade fica suspensa em todo setembro que preceder um ano eleitoral: quem trocar de legenda enquanto essa janela estiver aberta não poderá ser punido. O espírito dos festejos carnavalescos, quando a ordem vigente é suspensa temporariamente, invadirá a política nacional nesses 30 dias caso o Senado e o presidente da República cometam a sandice de confirmar o projeto da Câmara.
A titularidade do mandato, que era do partido, volta a ser de pleno gozo do político nesse breve período, para logo depois retornar à agremiação. A absoluta incoerência da medida revela o grau de cinismo a que pode chegar a maioria dos deputados na tentativa de preservar seus interesses mesquinhos. Afirmar que alguma fidelidade partidária foi instalada com o projeto é ofender a inteligência dos eleitores.
Se a janela para trair tornar-se lei, a vontade das urnas continuará a ser desrespeitada a troco de negociatas, emendas, cargos e migalhas de poder - exatamente como acontece hoje. A única diferença é que os movimentos ficarão concentrados no tempo e tomarão a forma de manadas anunciando a primavera.
A Câmara produziu um monstro legislativo na tentativa de ludibriar a opinião pública - e de fazer passar uma "anistia prévia" ao troca-troca de legendas após a manifestação do TSE de que considera o partido, e não o político, o titular do mandato. Vai-se confirmando, para a infelicidade e o atraso da nação, o prognóstico de que os atuais legisladores serão incapazes de conduzir uma reforma política que atenda aos anseios da sociedade.

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