30 agosto 2007
O CARÁTER REVOLUCIONÁRIO DAS ROTINAS
Anna Veronica Mautner
Será que se livrar das rotinas é se libertar? Não consigo pensar em efetuar intervenções ou mudanças na vida sem hábitos bem estabelecidos. No nosso cotidiano, vejo a rotina como um ponto de apoio indispensável. Vejo essas ordenações como Arquimedes via o ponto de apoio e a alavanca com a qual pretendia mover o mundo. Eu diria: "Dê-me uma rotina e uma vontade de mudar para mudar o mundo".
Sem rotina, invenção é difícil. Sem rotina, não existiria nem jeitinho -coisa tão nossa, com a qual abrimos novos caminhos. Sem rotina, com tudo permitido, na ausência de ordenação, como e com que romper? Não tenho em mente a rotina das máquinas, que se repetem sem saber por quê. Falo daquela ordem que resulta de múltiplos acertos e erros.
É sempre melhor lavar o rosto só depois de lavar os dentes, tudo para não sujar com a pasta o rosto já lavado. Sabia? Mínimos detalhes do cotidiano não estão aí à toa. Têm uma razão de ser. Procure-a.
Ter lugar para as coisas pode chegar a ser uma obsessão, mas pode ser também o melhor jeito de não ter que procurá-las a cada vez que precisamos delas, perdendo preciosos minutos.
Ordem e rotina sagradas e intocáveis paralisam as mudanças. Mas, entre rotina sagrada e vida sem qualquer rotina, vai uma boa distância. Felizmente.
Uma boa mãe atende aos resmungos de seu bebê. A partir da certeza de ser atendido, ele vivencia suas primeiras rotinas: sabe que quando reclama provavelmente será atendido. Pouco a pouco, vai usufruir dessa constância repetitiva e perceber algumas coisas como familiares e outras como estranhas. Conforme as estranhas se repetem, vão sendo incorporadas ao universo conhecido. Se o bebê viver imerso num mundo com falta de previsibilidade, olhará o mundo apreensivamente.
Tem gente que passa a vida só evitando surpresas. Os carcereiros vigilantes também são prisioneiros de quem cuidam e não querem saber de surpresas.
A rotina é, pois, não só o sustentáculo da liberdade mas também o aprisionamento dela. Incapazes de usar a rotina, perdemos a segurança necessária para criar e ser livre. É porque certas certezas existem que eu posso usar a minha mente para brincar, inventar, criar coisas novas. As rotinas geram confiabilidade no mundo que nos rodeia e permitem libertar nossa atenção para divagar por terras novas.
Uma barra rígida sem ponto de apoio não é alavanca, diria Arquimedes. É conhecendo os fenômenos do mundo que posso mudá-lo. É com a confluência dos dois que gero a força para mover o mundo.
Educar para a rotina, ao contrário do que se possa crer, é uma forma de gerar liberdade. Imponha-se rotina para que as crianças possam se exercitar em contorná-la.
Não faz muito tempo, eu vivia tentando afrouxar rotinas na minha vida, na de meus alunos ou clientes. Faltava flexibilidade para resolver inovadoramente novos problemas. De uns anos para cá, percebo-me lutando na direção oposta: quero salvar a idéia de repetição que foi relegada ao escárnio geral. Tendo a rotina virado palavrão, perderam-se muitos graus de liberdade. Reimplantar a noção de rotina como ponto de apoio indispensável pode ser visto hoje até como um ato revolucionário.
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Interessantíssimo!
Vale a pena parar e pensar.
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