Folha de S. Paulo
Em países desenvolvidos, cerca de 29% dos estudantes de ensino superior se formam em cursos técnicos de curta duração
Modelo brasileiro, voltado para cursos tradicionais, é ruim para crescimento do país, diz pesquisador; tese é polêmica entre educadores
Menos de 1% dos estudantes brasileiros se formaram em cursos superiores de curta duração, mais voltados para o mercado de trabalho, nos últimos dez anos. Nos países desenvolvidos, o índice é de 29%.
A constatação será apresentada amanhã pelo pesquisador Renato Pedrosa, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em um seminário que debaterá acesso e financiamento do ensino superior.
A comparação utilizou dados do Censo da Educação Superior brasileiro e da OCDE (organização que reúne os países desenvolvidos). Pedrosa considerou os estudantes formados nos últimos dez anos.
Segundo o pesquisador, o atual modelo brasileiro, focado nos cursos tradicionais de graduação, traz prejuízos ao desenvolvimento do país.
"Estamos formando chefes e temos mão-de-obra de base. Falta a parte do meio da cadeia", afirma Pedrosa. "Em uma empresa automotiva, por exemplo, precisa-se de um volume muito maior de técnicos do que de engenheiros. E não estamos formando técnicos."
Os cursos de curta duração, também conhecidos como tecnológicos, duram de dois a três anos e focam numa área do conhecimento. Já as graduações convencionais, que procuram dar uma formação mais ampla ao aluno, duram pelo menos quatro anos. Exemplo: na área que pode ser entendida como engenharia, existe o curso tecnológico de obras hidráulicas. Enquanto o primeiro tem uma duração de cinco anos, o segundo fica entre dois e três.
Para sustentar a avaliação de que é necessário criar maciçamente vagas em cursos tecnológicos, Pedrosa lembra um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgado no mês passado.
No trabalho, o instituto afirma que a indústria nacional não encontrou trabalhador qualificado para uma em cada quatro vagas abertas neste ano, principalmente entre pessoas com até 13,1 anos de estudo.
É nesse perfil que se encaixam aqueles que cursam o ensino superior de curta duração (11 anos de educação básica e mais dois ou três de superior).
Outra vantagem dos cursos tecnológicos, segundo Pedrosa, é o custo por aluno, que chega a ser oito vezes menor do que em universidades tradicionais como a Unicamp ou a USP.
Conta para isso, além da duração dos cursos, o fato de as instituições convencionais se dedicarem também à realização de pesquisas e à prestação de serviços, como hospitais universitários.
Segundo o último Censo da Educação Superior, com dados de 2005, os centros tecnológicos e as faculdades de tecnologia possuíam apenas 83,2 mil dos 4,4 milhões de matrículas nas graduações presenciais no país (1,9% do total).
Críticas
Professor da Faculdade de Educação da USP, Cesar Minto é contrário ao modelo de curta duração. "Sem formação geral, com forte teor humanístico, você não cria cidadãos críticos. Forma apenas pessoas para seguirem ordens."
Minto afirma ainda que, "nos países ricos, as pessoas formadas em cursos tecnológicos têm salários razoáveis, o que pode não ocorrer aqui".
Presidente do Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), Simon Schwartzman diz que "uma das limitações fortes de qualquer sistema de educação profissional, seja público ou privado, é o baixo prestígio junto à população", o que pode ter má repercussão no mercado de trabalho.
Para o membro do Conselho Estadual da Educação e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), João Cardoso Palma Filho, o ensino superior precisa expandir tanto pelos cursos tradicionais quanto pelos de curta duração.
"Hoje, por exemplo, faltam engenheiros civis, um curso tradicional. Mas os tecnológicos também são importantes. Um dos fatores é que, com os mesmos recursos, consegue-se incluir muito mais alunos nesse modelo, que é mais barato."
O seminário onde será apresentada a pesquisa de Pedrosa ocorrerá hoje e amanhã, na sede da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), na zona oeste de São Paulo. A iniciativa é da Presidência da Assembléia Legislativa, que pretende colher informações para possíveis novas leis sobre o assunto.
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