20 dezembro 2007

HABEMUS SENATUM


MARCELO COELHO

Os senadores, às vezes, retomam as atividades pelas quais recebem copiosa remuneração

Assistir até o fim, madrugada adentro, a sessão do Senado que decidiu o fim da CPMF. Não estava torcendo por nenhum dos dois lados em confronto. Mas adorei o espetáculo.
Arthur Virgílio está longe de ser um Cícero; o carpete azul e vulgar daquele plenário não pode aspirar ao mármore austero dos tempos clássicos, e duvido que uma toga de linho caísse bem sobre os ombros do senador Agripino.
Viciado que sou na minissérie "Roma", da HBO, posso entretanto dizer que a votação da CPMF, transmitida pela TV Senado, teve lances de emoção e suspense capazes de rivalizar com qualquer roteirista de Hollywood.
Com a greve dessa categoria profissional, é pelo menos um alento ver que os senadores brasileiros, de vez em quando, retomam as atividades pelas quais recebem sua copiosa remuneração.
Um grande momento, aí pelas dez e meia da noite, foi protagonizado pelo senador Heráclito Fortes. Conhecia-o de alguns debates na CPI: a dicção muito ruim, como se ele guardasse quatro bolas de Natal entre as bochechas, nunca ajudou muito sua intenção de ser mordaz.
Ele sobe à tribuna, com um calhamaço nas mãos. Começa um discurso candente contra a CPMF. Interrompe-o logo depois. O lance estava bem ensaiado. Ele diz que poderia continuar seu raciocínio, mas que tem ojeriza a plagiar textos de seus colegas.
O discurso, na verdade, era do petista Paulo Paim, que a exemplo de seus correligionários tinha sido pugnaz adversário do tributo durante as calendas cardosianas.
A câmera da TV Senado captou então o rosto de Paim, consumido em fúria impotente e púnica. "Como ele vai responder agora?", pergunta-se o espectador. Veio a resposta, mas a oposição (que poderia ser acusada da mesma incoerência que apontava nos petistas) tinha, de todo modo, lavrado um tento.
Um momento! Um momento!
Surge, esbaforido, um mensageiro no palco apinhado e convulso dos trabalhos. Mensagem de César!
Era uma carta do presidente da República. Prometia repassar integralmente para a saúde a arrecadação do imposto. Mas eram mais de dez e meia da noite; tucanos e demistas saboreavam o desespero da serôdia concessão governamental: tarde piaste, presidente! "De tardibus piantur non esse disputandibus."
Uma cartada extrema -e o senador Pedro Simon assoma ao microfone. Imagino que o microfone já se assuste quando ele aparece; a gesticulação desabrida, o rosto que investe para todos os lados e a haste do aparelho se inclina e sofre, junco frágil no deserto diante dos rugidos de um leão.
Simon começa manso. Seria eu, senhor presidente, a pessoa menos indicada a defender este governo.
Certamente: era notório que o Planalto não o quisera na presidência do Senado; quem ocupava o lugar, naquela noite, não era o áspero senador gaúcho, mas sim um Garibaldi felicíssimo.
Com o rosto desfigurado de invectivas, Pedro Simon pede o impossível: que a sessão seja adiada por 12 horas, em função daquele dado novo -a carta presidencial. "Devia ter sido mandada antes?" Ele grita.
"Sim." Gira na tribuna; contorce o corpo. "Chegou tarde!" Simon concorda. "Chegou tarde. Mas chegou!"
Agita e amassa um papel nas mãos.
"Uma carta do pre-si-den-te da Re-pú-bli-ca! E não va-le na-da?" Que, pelo menos, os senadores dedicassem algumas horas à leitura do documento. Interrompe-o Heráclito Fortes. "Mas quantas páginas tem essa carta, afinal?" Não tinha mais de um parágrafo.
Com a palavra, Arthur Virgílio.
Passa uma descompostura no honrado adversário. Simon não vale mais do que nenhum de nós! Rebaixa-se, servindo a tão simplória manobra do Executivo.
A coisa encrespa. Pedro Simon responde que não ouvirá lições de quem "tinha calças curtas" quando ele, Simon, já curtia a pele nas duras lides da República.
Estou de cabelo em pé. O líder do governo vai falar. Persistirá na tática do adiamento? Antes, uma questão de ordem. O senador Agripino esclarece, cortante, que a oposição não irá tolerar mais nenhum rodeio. Tudo irá azedar-se definitivamente, ameaça. Romero Jucá toma então a palavra. Sentiu o pulso do plenário.
Abandona a tática sugerida. Vote-se a matéria. Cai o pano; cai a CPMF. Desligo a TV. Por Júpiter! Será que isso, então, é um Senado de verdade?

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