31 dezembro 2007

OS PRÍNCIPES

Editorial da Folha de S. Paulo

Sobrou sorte e faltou ousadia a Lula em 2007; não se deu nenhum desastre, não se assumiu, tampouco, risco nenhum

Um presidente confiante e tranqüilo ocupou as telas de televisão brasileiras na noite de quinta-feira, e não eram imaginários os motivos de seu otimismo. Neste final de 2007, Lula colhe os frutos de um programa econômico e de uma política de correção das desigualdades implantados há mais de dez anos, nos quais teve o bom senso de persistir e que soube aprofundar.
Só interessa aos sectários de uma ou outra filiação partidária estabelecer as responsabilidades pessoais - se de Fernando Henrique, se de Luiz Inácio, que travam uma batalha de egos pelo cetro do príncipe - a respeito dos índices positivos que a economia e a sociedade brasileiras ostentam nesta passagem de ano.
Verdade que as expectativas têm sido modestas. Passou o tempo em que se acreditava numa súbita elevação do Brasil ao status de potência. Todos - petistas ou tucanos - aprenderam com o tempo que o fim do regime militar não seria o abre-te sésamo de uma era de prosperidade automática e de justiça social isenta de conflitos.
Durante um bom tempo, o PT concentrou em torno de si mesmo as expectativas mágicas de que poderia dar conta de todos os problemas do país. Em certa medida, esse papel já tinha sido desempenhado pelos tecnocratas tucanos - mais modestos, sem dúvida, do que tantos petistas embriagados de pureza falsa e moralismo imaginário.
Arrogância não faltou, contudo - e não falta - na atitude de governistas e oposicionistas. A propaganda de ambos se beneficia de uma conjuntura internacional favorável, e é duvidoso que pudessem ostentar seus feitos sem o concurso da sorte.
Sorte, ou "fortuna", no vocabulário de Maquiavel, faz par com o conceito de "virtù". A palavra pode ser traduzida menos como um senso de integridade moral, idéia que os dias presentes estão longe de incentivar, e mais como espírito de oportunidade, ímpeto de renovação.
Beneficiado pela "fortuna", o governo Lula de algum modo minimizou seu próprio senso de "virtù". Equilíbrio e prudência evitaram que o pior acontecesse. Evitaram, também, que o melhor fosse tentado.
Na TV, Lula comemora fatos que ninguém deixará de encarar como positivos. São poucos, entretanto, diante do que se poderia esperar de seu governo.
O que foi feito diante da crise terminal vivida pela segurança pública no país? Como enfrentar as óbvias distorções do sistema previdenciário? O que fazer diante da escandalosa disfuncionalidade, mais uma vez escancarada no caso da CPMF, do sistema político?
Ainda que justas, as comemorações presidenciais carregam o travo da omissão. Nisso reside a diferença maquiaveliana entre "fortuna" e "virtù".
Sobrou "fortuna" e faltou "virtù" a Lula em 2007. Não se deu nenhum desastre; não se assumiu, tampouco, risco nenhum. A mediocridade pode ser vista, de qualquer modo, como um triunfo. Desde que se abandonem, o que seria deprimente, as perspectivas de fazer do Brasil um grande e civilizado país.

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