17 dezembro 2007

NIEMEYER: A BELEZA É LEVE

FERREIRA GULLAR


Coube ao arquiteto romper com a submissão à funcionalidade e à ditadura da linha reta

ONTEM, 15 de dezembro, Oscar Niemeyer completou cem anos de vida, para a alegria de seus amigos e de seus admiradores. Se é função da arte inventar o mundo em que vivemos, no caso do aniversariante, já por ser arquiteto e o arquiteto que é, não há exagero em dizer-se que ele mudou a imagem que se tem do Brasil, criando formas arquitetônicas, belas e inusitadas, que se integraram para sempre em nosso imaginário.
Monumentos arquitetônicos como o Palácio da Alvorada, o Congresso Nacional e a Catedral de Brasília - para ficamos apenas em obras da capital brasileira - tornaram-se exemplos de uma nova concepção estética, paradigmas da arquitetura contemporânea.
São apenas três exemplos, mas a verdade é que esse brasileiro é dotado de uma capacidade -quase, diria, de uma genialidade - que lhe permite criar formas esteticamente sofisticadas e, ao mesmo tempo, capazes de tocar a sensibilidade de todas as pessoas. Por isso, escrevi, num poema a ele dedicado, "Oscar nos ensina / que o sonho é popular".
Não tenho dúvida nenhuma de que ele nasceu arquiteto. Certamente, teve de fazer o curso de arquitetura, teve de conhecer e estudar a obra dos grandes arquitetos que o antecederam, mas só um talento excepcional para intuir o espaço arquitetônico e concebê-lo em formas inesperadas pode explicar o fenômeno que ele é.
Essa capacidade de intuir e conceber o edifício manifestou-se, nele, muito cedo e se mantém com o mesmo ímpeto criativo, hoje, quando ele completa um século de vida e após projetar e construir o maior número de obras da história da arquitetura mundial.
Modesto e audacioso, mudou o projeto, concebido por seu mestre Le Corbusier, para o edifício que é hoje o Palácio Gustavo Capanema. O detalhamento do projeto estava a cargo de uma equipe chefiada por Lúcio Costa da qual ele fazia parte. Ao perceber que o edifício ganharia em monumentalidade se as colunas que o sustentariam fossem aumentadas no dobro da altura, fez um esboço que (à sua revelia) levaram a Lúcio Costa, que decidiu adotá-lo. O projeto modificado ficou tão bom que Le Corbusier fez de conta que o projetara daquele jeito.
Quem conhece a história da arquitetura moderna sabe que o princípio básico do novo modo de construir diz que "a forma segue a função". Essa estética funcionalista foi uma reação ao gosto "revival", que sufocava a forma dos objetos e dos edifícios com um decorativismo exagerado.
Por isso, os criadores da moderna arquitetura adotaram a reta e a composição despojada como o seu princípio estético. Essa é a característica comum às obras dos pioneiros da nova arquitetura, como Le Corbusier, Walter Gropius ou Mies van der Rohe.
Se o princípio funcionalista deu nascimento a uma nova linguagem arquitetônica, provocou, em contrapartida, soluções repetitivas que terminaram por empobrecer o repertório formal da nova arquitetura. Ela se tornou pouco criativa.
Coube a Niemeyer romper com essa submissão à funcionalidade e à ditadura da linha reta e soluções ortogonais, ao conceber o conjunto arquitetônico da Pampulha, onde a forma curva predominava. Iniciou-se, então, uma revolução que mudaria radicalmente o vocabulário da arquitetura contemporânea.
Buscar a forma nova, que surpreenda e comova, terá sido o empenho de Niemeyer, desde seus primeiros projetos. E é extraordinária a sua capacidade de criar novas formas, quer sejam as colunas do Palácio da Alvorada, quer sejam os arcos assimétricos do edifício da editora Mondadori, em Milão. É tal a expressão poética desses edifícios que eles parecem apenas pousados no chão, sem peso.
O arquiteto brasileiro deu início, assim, à exploração das possibilidades plásticas do concreto armado e das novas técnicas de construção. Em conseqüência disso, sua audácia na concepção das obras obrigava a soluções técnicas inovadoras, fazendo avançar os processos de edificação. Para isso, contou com a colaboração de Joaquim Cardoso que, além de calculista, era poeta -e dos melhores.
Já houve quem afirmasse que Oscar Niemeyer, mais que um arquiteto, seria um escultor. A afirmação é destituída de fundamento, já que uma de suas principais virtudes é precisamente a intuição e a concretização do espaço arquitetônico. Essa é uma qualidade essencial dos edifícios por ele concebidos, em que o espaço interior e o exterior são percebidos pelas pessoas como uma experiência que tanto as fascina quanto as conforta.


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Dias desses em Brasília comentava com minha mulher exatamente isto.
Brasília alia beleza, encanto e exuberância com uma simplicidade extraordinária.
Niemeyer é um grande artista.

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