Editorial da Folha de S. Paulo
Fim da CPMF requer corte emergencial no gasto público e retomada de negociação para mudar a estrutura tributária
O fim abrupto da cobrança da CPMF não foi o melhor desfecho. Retirar de chofre R$ 40 bilhões do Orçamento, sem programa negociado de corte de despesas, não é o modo indicado para obrigar o setor público a gastar melhor o dinheiro dos impostos. De positivo, a sessão encerrada na madrugada de ontem mostrou que o Executivo nem sempre pode tudo no Congresso.Todo o processo de negociação conduzido pelo Planalto foi de um amadorismo espantoso. A soberba de quem julgava a renovação do tributo um evento de fim de ano tão certo como os fogos em Copacabana deu lugar, nos últimos dias, ao pasmo diante da derrota possível. A chegada de uma carta do presidente Lula que prometia 100% da CPMF para a saúde, quando a sessão no Senado rumava para o final, fechou a novela em cena patética.
Controle de gastos públicos, destinação total da CPMF à saúde, baixa gradual da alíquota do imposto, redução de outros tributos, abatimento no Imposto de Renda, isenção para a baixa renda... A dispersão de "propostas" que circularam nas últimas semanas indica que nem governo nem oposição entraram nesse jogo para confrontar visões de Orçamento, tributação, gasto público e política econômica.
O único interesse do Planalto era manter os cofres cheios por mais três anos. A oposição no Senado fixou-se no objetivo tático de impor uma derrota ao governo, contra a vontade explícita, no caso dos tucanos, de cinco governadores de Estado do PSDB. Não havia ninguém disposto a conciliar o imperativo de baixar os impostos e os gastos públicos com a necessidade de fazê-lo de forma ordenada e paulatina.
É importante que o governo Lula demonstre, após a derrota, a maturidade que lhe faltou ao longo do processo. Optar pela vingança e pela manipulação atabalhoada de outros impostos e de rubricas orçamentárias seria piorar as coisas. Agiu bem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao assegurar as metas de superávit primário - a poupança para abater dívida pública.
A adaptação emergencial à falta da CPMF deveria começar pela suspensão de gastos novos previstos para 2008, tais como aumentos reais para servidores e salário mínimo. Um pente fino nas emendas parlamentares se justifica. Na regulamentação da emenda 29, que tramita no Senado, pode-se trocar o indexador de gastos para a saúde: em vez do PIB nominal, um índice de inflação. A economia está crescendo com força, o que facilita a diluição dos custos do ajuste.
Mas é preciso, sobretudo, que governo e oposição voltem logo às negociações com espíritos desarmados e ambições mais elevadas. A maneira de solucionar esse impasse de modo duradouro é reformar a estrutura da tributação e do gasto público no Brasil.
Nesse diálogo o governo poderia recuperar parte do que perdeu na CPMF. O imposto do cheque poderia ganhar status permanente, no lugar de tributos mais perversos. E poderia ser costurado um pacto suprapartidário a fim de conter as despesas de custeio, mediante um programa para aumentar a qualidade e a produtividade dos serviços que o Estado presta à população.
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