Folha de S. Paulo
Fisiologia na negociação entre o Executivo e o Congresso torna necessária a discussão de uma reforma política
Poucas expressões, no vocabulário político brasileiro, são tão enganosas quanto a de "base de sustentação do governo". Causa desalento verificar, a cada deliberação importante no Congresso Nacional, a quantidade de esforços empreendidos pelo Executivo para obter, com os próprios partidos da situação, os votos de que necessita.Ministérios, estatais, exigências de verbas e favores, que haviam sido objeto de custosos acordos no momento de formar-se a coligação eleitoral, voltam ao balcão das negociações a cada decisão de interesse do governo. É como se nenhuma base existisse -e nenhuma sustentação houvesse- sem o atendimento de pleitos individuais de cada parlamentar.
Menos do que nos partidos que compõem as forças governistas, parece estar nas mãos de deputados e senadores isolados o destino de qualquer decisão do Congresso. Foram exibidas sem descanso -mas o espetáculo se reproduz cronicamente- as desesperadas concessões do governo Lula para tentar, com êxito na Câmara e insucesso no Senado, a prorrogação da CPMF.
Mais uma vez, o PMDB apresenta a conta ao governo federal: terá o Ministério dos Transportes. Mas que PMDB? Aquietam-se provisoriamente, apenas, as exigências dos setores do partido ligados a José Sarney. Como a hidra mitológica, a agremiação tem inúmeras cabeças, e em todas o mesmo insaciável apetite.
Com algum exagero de imaginação, seria o caso de dizer que cada concessão oferecida pelo Executivo aos partidos de sua base arrisca-se a encontrar, cedo ou tarde, a contrapartida de uma investigação da Polícia Federal; o célebre lema do "é dando que se recebe" poderia, assim, conhecer uma complementação: é recebendo que se termina indiciado.
Antes fosse assim. Mas seria preciso um contingente multitudinário de investigadores e delegados para que os prejuízos acarretados pela fisiologia viessem a eliminar-se significativamente do cenário.
Não há como persistir, dado esse quadro, na tese de que a reforma política seria um assunto excessivamente abstrato e bizantino. Sem constituir, evidentemente, uma panacéia para problemas que têm raízes na própria cultura e no grau de informação da população, trata-se de um tema com implicações práticas e imediatas.
Na ausência de mecanismos que promovam a fidelidade partidária e disciplinem os gastos de campanha, por exemplo, é virtualmente impossível ao Executivo -seja no governo Lula ou nos que o sucederem- contar com elementos mínimos de previsibilidade nas decisões políticas e de maior controle dos gastos governamentais.
A instabilidade do bloco parlamentar do governo -e tudo o que supõe de benefícios fisiológicos para mantê-lo- é, para não dizer o principal, um dos mais decisivos fatores para a degradação que a atividade política hoje conhece no Brasil. O tema -apesar das dificuldades que o cercam- não tem como ser adiado.
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