15 dezembro 2007

A PARTIR DA DERROTA

JANIO DE FREITAS

Talvez o dano financeiro do governo, sem a CPMF, venha a se mostrar menor do que o dano político

O efeito colateral mais importante, na maneira como os opositores da CPMF derrotaram o governo, está em ser, também, a primeira derrota imposta à visão cínica de política, há anos dominante com sua negação das exigências éticas nas relações entre administração pública e legislativo, e com os métodos de cooptação amoral entre governos, partidos e parlamentares.
Com os R$ 60 bilhões arrecadados neste ano além do previsto, talvez o dano financeiro do governo, sem a CPMF, venha a se mostrar menor do que o dano político.
Há pelo menos dois alicerces para essa hipótese. O primeiro é que o governo saiu tão mais enfraquecido, em relação ao poder impositivo ostentado até então, quanto mais abusivos foram os seus métodos para obter votos pela CPMF - incluída a humilhante e inútil "missão sigilosa" de Lula na casa de José Roberto Arruda, governador do Distrito Federal, ao encontro de integrantes de partidos oposicionistas. O outro amparo da hipótese são os esperáveis reflexos, na Câmara, do ocorrido no Senado.
O futuro da contra-ofensiva havida no Senado é de difícil previsão, por mais cautelosa que seja. Mas o ambiente favorece desdobramentos. Com bem mais de um terço dos senadores formado por PSDB, DEM e dissidentes dos partidos governistas, o Senado já era um problema constante para Lula, que nunca pôde ter certezas ali. Acréscimo a esse ambiente, o desgaste causado pelo caso Renan Calheiros difundiu entre os senadores um constrangimento que incentiva ânimos de recuperação, como, aliás, ressaltaram vários dos discursos na votação da CPMF. E uma nova presidência da Casa, com a necessária disposição de se distinguir da antecessora, vem na mesma linha.
A derrota do governo não significou, porém, a afirmação especial da democracia que alguns lhe estão atribuindo. A democracia não esteve em jogo, jamais, a propósito da disputa provocada pela CPMF. Se a vitória da "minoria" é que indica democracia, como já foi dito e escrito, então os crentes de tal simplificação devem declarar a Venezuela de Chávez uma bela democracia e não mais explorar conceitos conforme suas conveniências.
O problema não esteve na democracia: está na generalização de processos torpes de adquirir apoio aos interesses governamentais, quando de decisões parlamentares, e de fazer política e administração pública.
O dinheiro do Orçamento não é moeda para corromper consciências no Congresso. Cargos na administração, nas estatais e nos fundos bilionários destinam-se a necessidades do país, não à sujeição de direções partidárias e de grupos políticos. Mas esses processos tornaram-se regra na engrenagem geral da política e na parte da administração pública sob comando governamental direto. Assim, e não por afinidades programáticas, são feitas as "bases aliadas", assim são buscadas as maiorias governistas a cada votação, e assim está constituída a maior parte da cúpula ministerial do governo.
O vale-tudo dos métodos fez, no empenho de prorrogar a CPMF, exibição completa. Lula disse inverdades a granel, com as alegações de que "pobres não pagam CPMF", "a CPMF é um imposto contra a sonegação", "a CPMF é o imposto que distribui renda", Lula passou muito tempo dizendo muitas inverdades. E fez escola no ministério e nos partidos da "base aliada". Campanha com um fecho digno do todo: no que seriam os minutos anteriores à votação, o líder do governo expôs ao Senado uma carta (pronta desde a véspera), firmada por dois ministros, disse ele que se comprometendo a destinar toda a CPMF à saúde.
O senador Pedro Simon, ao sugerir suspender-se a votação para examine da proposta até o dia seguinte, sintetizou o abalo que a carta provocou no Senado. Foi necessária uma hora de confrontos exaltados, até que Tasso Jereissati lesse a carta: a tentação aos senadores era uma fraude, a destinação integral seria a prestações.
O efeito colateral da derrota do governo pode ter utilidades adicionais. Como, por exemplo, fazer com que Lula reponha os pés, não digamos que no chão, porque ele está lá em alturas siderais, porém mais próximos do chão pisado pelos que querem merecer respeito como homens públicos.

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