27 dezembro 2007

MULHERES NO PODER: MIREMOS OS BONS EXEMPLOS

FAUSTO RODRIGUES DE LIMA

O que é incrível no caso da adolescente violentada seguidas vezes no Pará é a omissão ou o consentimento de diversas mulheres

Notícias vindas do sistema prisional do Pará neste ano estarreceram a opinião pública. Por incrível que pareça, a perplexidade geral não foi motivada apenas pelos fatos em si. Afinal, abusos, inclusive sexuais, em penitenciárias brasileiras não são novidade.
O que é incrível nesse caso é que uma mulher foi trancafiada para ser violentada sexualmente por diversos presos, dia após dia, com a omissão ou o consentimento de uma delegada de polícia, uma juíza, uma secretária de Segurança Pública e uma governadora. Para arrematar, a corregedora de polícia, que deveria apurar a conduta dos policiais envolvidos, sustentou que a vítima "provocou" os presos, argumento clássico utilizado para culpar as mulheres violentadas em ambiente público ou privado.
A situação gerou críticas agudas à atuação das referidas mulheres, as quais ocupam alguns dos mais relevantes cargos da República. Justa ou injusta, é inevitável a grande cobrança sobre as mulheres que exercem o poder. Sempre relegadas ao espaço privado, em que exerciam as funções de mãe e esposa, elas conseguiram recentemente mais espaço na vida pública e participação na condução dos destinos do país.
Nesse percurso, provaram que não são melhores ou piores que os homens. São simplesmente iguais. Erram e acertam na mesma proporção. Praticam atos nobres, mas não estão imunes a atos vis e preconceituosos. Algumas discriminam suas próprias congêneres e defendem privilégios machistas de forma mais radical do que muitos homens.
Em Brasília, por exemplo, uma juíza e uma procuradora de Justiça deixaram de aplicar a Lei Maria da Penha em um caso no qual o marido ateou fogo, utilizando álcool, na esposa grávida, causando-lhe lesões de primeiro e segundo grau; pleitearam a impunidade dele, alegando que o casal havia se "reconciliado", como se um pedido de desculpas pudesse justificar a agressão e excluir a punição criminal.
Essa omissão só foi sanada após recurso aviado pelo Ministério Público, que resultou no julgamento histórico ocorrido no dia 31/5/07, em que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou o desarquivamento do caso e a observância da Lei Maria da Penha. Essa decisão, conduzida pelo desembargador Sérgio Bittencourt, tem servido de exemplo e referência para diversos tribunais brasileiros.
Pois bem. Um dos fundamentos utilizados para impedir a impunidade daquele crime tem origem em decisões da juíza mineira Jane Silva. Desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Jane Silva, desde o ano de 1994, repudia os entendimentos judiciais que, ainda hoje, permitem aos maridos "corrigir" suas esposas.
Suas palavras, fonte de inspiração para nossa atuação, merecem destaque: "A absolvição em nome de uma pretensa harmonia familiar é uma aberração jurídica. A transitória paz conjugal, muito alegada durante os processos por espancamento das esposas, rapidamente se quebra, uma vez obtida a absolvição". Com essa fundamentação, Jane cassou várias decisões proferidas por juízes e juízas de Minas Gerais.
Sua firmeza na defesa dos direitos humanos a habilitou a ocupar, atualmente, o cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça, um dos mais altos degraus do Poder Judiciário brasileiro. É um exemplo a ser seguido por homens e mulheres que pretendem ocupar cargos importantes com um mínimo de decência.
Diversas outras atuações importantes poderiam ser citadas. Neste ano, por exemplo, a juíza Amini Haddad e a promotora Lindinalva Rodrigues, titulares da Vara de Combate à Violência Doméstica de Cuiabá (MT), foram apontadas pelo governo federal como exemplo no enfrentamento da violência contra a mulher.
Isso demonstra que o sexo (e a raça, e a religião, e a origem etc.) não é decisivo para rotular capacidades e pessoas. Importante é a conduta de cada um, observando-se o grau de tolerância da sociedade à violência.
O caso do Pará mostra apenas o quanto nosso país valoriza uma mulher, adolescente, negra e pobre. Não sejamos hipócritas para afirmar que os mesmos fatos não ocorrem em todos os Estados brasileiros, com a mesma perversidade e naturalidade.
Dito isso, reconheçamos que as mulheres foram à luta e conquistaram direitos. Vieram pra ficar e pretendem mais espaço. Na 10ª Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e Caribe, realizada em agosto deste ano, as latino-americanas aprovaram o Consenso de Quito, que, de forma eloqüente, promete "adotar medidas para garantir que as mulheres alcancem o mais alto nível hierárquico na estrutura do Estado". Cristina Kirchner (Argentina) e Michele Bachelet (Chile) que o digam.


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