JOSÉ GERALDO COUTO
É difícil acreditar na ilusão de que tiraremos séculos de desmazelo e atraso em menos de sete anos
Qualquer visitante estrangeiro que chega hoje a uma das maiores cidades do país -São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife- tem dificuldade em se orientar, se locomover ou obter informações básicas.
Os transportes públicos em geral são confusos, mal distribuídos e mal sinalizados. Malandros e criminosos estão de olho em cada movimento do recém-chegado, esperando o momento certo para aplicar-lhe algum tipo de golpe. Nas cidades menores, a ameaça de violência é mais baixa, mas a infra-estrutura é ainda mais precária.
Por que estou repisando numa coluna de futebol tudo isso que o leitor está cansado de saber? Porque a Copa 2014 será disputada nesse Brasil real, não no Brasil de mentirinha da CBF e da TV Globo.
No mundo globalizado, uma Copa do Mundo é uma grande festa, mas não é brincadeira. Só pode ser realizada com uma enorme seriedade, com recursos materiais e humanos virtualmente inesgotáveis.
Não se trata apenas de construir ou reformar estádios, botar polícia na rua e criar meia dúzia de linhas extras de ônibus.
No caso brasileiro, é preciso, de certo modo, uma injeção de civilização, um progresso substancial em todos os terrenos: na segurança, nos transportes, nas comunicações e na educação em geral.
Juca Kfouri, Tostão e Soninha já mostraram fartamente que o Brasil começou mal o processo de preparação da Copa-2014. Criou-se um comitê organizador viciado e sem controle público, maquiaram-se a mais não poder as condições reais do país, mentiu-se quanto à previsão de gastos estatais, vendeu-se uma ilusão perigosa de paraíso na terra.
Não sou economista e não vou falar de dinheiro. Sei que os gastos astronômicos e a má gestão das verbas acabarão saqueando o poço sem fundo dos cofres públicos. Vide o que ocorreu no Pan do Rio.
Mas não é esse o meu ponto. Suponhamos, candidamente, que o dinheiro venha todo da iniciativa privada e que seja bem gasto. Suponhamos que a infra-estrutura toda (estádios, trens, metrôs, aeroportos, telefonia, equipamentos de segurança etc.) esteja pronta em junho de 2014.
Ainda assim, resta uma questão crucial: onde vamos buscar as pessoas para fazer essa imensa máquina funcionar a serviço dos cidadãos e dos visitantes, sejam eles torcedores, profissionais do futebol, turistas ou jornalistas?
A situação é análoga à das escolas: de que adianta o computador na sala de aula se o professor é semi-analfabeto?
Na Copa de 2002, na Coréia do Sul e no Japão, havia 33 mil voluntários trabalhando na organização e funcionamento do evento, cada um deles falando duas línguas além da sua própria. Na Copa da Alemanha, foram 15 mil voluntários trilíngües.
No Brasil, hoje, é difícil encontrar esse número de pessoas que fale corretamente sequer o português. Isso sem falar dos policiais, funcionários dos estádios, dos transportes, das comunicações etc.
É esse atraso de décadas, de séculos, que teríamos que tirar em sete anos.
Dará tempo?
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