WALTER CENEVIVA
Fundamento essencial da democracia é o de podermos assegurar a alternativa do poder. O continuísmo é um mal
No estado democrático de direito, o servidor público mais importante é o presidente da República, porque em sua pessoa se simboliza, consolida e opera o próprio Poder Executivo. Embora na mesma cédula, o vice-presidente se destina, nas condições normais, apenas à reserva política e constitucional, só entrando no posto titular em situações específicas e quase sempre muito provisórias (Constituição, artigos 76 e 79).
O termo mandato soma credenciamento para a função, exercício efetivo e tempo. Mandato sem tempo determinado é ditadura. Juntas militares e ditadores são impostos ao povo. Têm tanto tempo de mandato quanto às forças políticas internas ou externas se componham a seu favor. As ditaduras não são compatíveis com nosso Estado Democrático de Direito. Já vimos e vivemos de perto as ditaduras e seus defeitos. Às vezes começam bem, produzem coisas boas, mas logo se deterioram, passando ao abuso. As democracias querem que quem detenha o poder seja substituído de tempos em tempos ou quando o povo livremente resolver afastá-lo, perdida a confiança, durante o mandato.
Tem-se discutido qual a duração conveniente do mandato, em cujo exercício o governante tenha o efetivo controle da administração pública nacional em todos os seus segmentos. Cinco a sete anos, sem reeleição? Aparentemente seria solução média boa para o Brasil. Nossa experiência histórica sugere que quatro anos é pouco.
Quando a máquina começa a operar, depois de dois anos e meio, abrem-se as discussões sobre a nova eleição, e seus possíveis candidatos, atrapalhando o verdadeiro trabalho administrativo. O sistema atual, ao qual retornamos para favorecer o segundo período de Fernando Henrique Cardoso, foi solução uma boa, mesmo sendo produto da emenda constitucional de 1997, num imenso conchavo político.
O exemplo da Argentina é bom de recordar, sob outro ângulo. Lula tem dito que não quer o terceiro período, mas, por baixo do pano, há emenda para liberar as reeleições. Imaginemos, em lugar dessa hipótese, que alguém sugira ao presidente a eleição de Dona Marisa, copiando Kirchner e a mulher dele. É inútil me dizer que a idéia é absurda, posto que proibida. A breve parada no terreno do absurdo, porém, se destina a ver que, havendo proibição de reeleger o mandatário, a regra pode ser burlada se seu cônjuge, marido ou mulher for feito candidato. O caso de Hillary Clinton é diferente. Já se passaram dois quatriênios desde a saída do marido dela.
A proposta de emenda constitucional querendo permitir a reeleição por mais de uma vez é expediente típico das ditaduras. Saddam Hussein podia ser reeleito quantas vezes quisesse. Mubarak, no Egito, idem. Musharraf no Paquistão nem precisa disso. O ideal democrático é compatível com períodos relativamente prolongados, mas sempre finitos. A finitude, isto é, a certeza de que um dia termina, é essencial, predominante no povo brasileiro e na história republicana. Para alguma coisa serve a lembrança de George Bush.
Era o líder inconteste da democracia norte-americana. Hoje já é referido como o pior presidente da história. O fundamento essencial da democracia é o de podermos assegurar a alternativa do poder. O continuísmo é um mal em si mesmo, que, de tão grave, há de ser sempre evitado.
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