05 novembro 2007

TERCEIRO MANDATO

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

O nível de desenvolvimento político alcançado pela sociedade brasileira torna inviável um terceiro mandato

O presidente da Câmara dos Deputados aceitou o pedido de desarquivamento da emenda constitucional que permite um terceiro mandato para os cargos eletivos. Por outro lado, deputados do PT falam em um referendo para aprovar a idéia. Com essas notícias, aumentaram as suspeitas de que o presidente Lula esteja buscando se manter por mais três anos no Planalto não obstante seus reiterados desmentidos. Meu entendimento, porém, é que esses temores são infundados, e que realmente o presidente não trabalha por essa mudança porque ele sabe que ela não tem condições de ser aprovada. Pouco importa que ele, como qualquer político, considere com bons olhos a idéia de se manter por mais quatro anos no poder. Ele é um político suficientemente competente para saber que não vale a pena o desgaste de tal empreitada; ele sabe que o nível de desenvolvimento político alcançado pela sociedade brasileira torna inviável um terceiro mandato. Embora eu não concorde com a visão cínica de cientistas políticos que supõem que os políticos agem apenas em interesse próprio, neste caso eu não estou supondo o espírito republicano do presidente para afirmar que não há por que temer o terceiro mandato. Esse temor só se justifica para quem tem uma avaliação muito negativa da democracia brasileira, e este não é o meu caso. Apesar de todos os nossos problemas -e principalmente, nos últimos três anos, dos lamentáveis escândalos em que se envolveu o Congresso nacional- eu entendo que no Brasil temos uma democracia consolidada na qual não há espaço para aventuras deste tipo. Erramos quando se estabeleceu o segundo mandato, mas os defensores da idéia tinham para justificá-la o sistema norte-americano. Agora, porém, para justificar um terceiro mandato o exemplo melhor é o da Venezuela -um país cujo desenvolvimento econômico e político é muito mais baixo do que o brasileiro. Nós criticamos nossos políticos e nosso Estado -e é necessário que o façamos-, mas não podemos perder de vista o quanto já avançamos social e institucionalmente na direção da democracia. O grau de desenvolvimento econômico e de desenvolvimento político de uma nação são sempre correlacionados, mas em cada momento um pode estar mais avançado ou mais atrasado em relação ao outro. No Brasil, desde a transição para a democracia, aprovamos uma boa Constituição e a estamos completando e corrigindo com boas reformas institucionais; enquanto isso, nossa economia cresce a taxas muito inferiores às dos demais países em desenvolvimento. Hoje, o Brasil é mais avançado no plano político do que no econômico. Quando comparamos, por exemplo, nossa economia e nossa política com a dos Estados Unidos, o resultado é significativo: em matéria econômica, nosso atraso é grande e continua aumentando; já no plano político, nosso sistema fica pouco atrás, e, em alguns pontos, é melhor. A influência do poder econômico na política, por exemplo, é menor aqui do que lá. O Brasil já possui uma grande classe média e uma opinião pública respeitável a defender sua democracia. Por isso, não importa que a popularidade do presidente Lula esteja alta. Isto é ótimo porque dá legitimidade a seu governo, mas não significa que o Congresso possa violentar a democracia com um terceiro mandato. É subestimar os brasileiros e os seus representantes políticos imaginar o contrário.

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