06 novembro 2007

DISCUSSÕES ARMADAS

Editorial da Folha de S. Paulo

Diante da corrida às armas na Venezuela, Brasil precisa modernizar suas Forças Armadas e torná-las mais enxutas

Era previsível que mais cedo ou mais tarde as vultosas compras de material bélico sofisticado feitas pelo presidente Hugo Chávez repercutiriam no Brasil. A Venezuela não apenas moderniza e amplia suas Forças Armadas mas se aproxima de fornecedores e parceiros estratégicos, como a Rússia, a China e o Irã.
Não há fórmula mais eficiente de atrair a atenção de Washington para a região e incentivar o armamentismo em outros países sul-americanos - Colômbia e Chile já embarcaram na onda. É verdade que na origem da aproximação de Chávez com a indústria bélica russa está o bloqueio dos EUA à compra de armas americanas pela Venezuela.
O veto americano, insuflado pelos ataques pueris de Hugo Chávez ao governo George W. Bush, foi mais uma atitude a lamentar da diplomacia dos EUA para a América Latina. Como ocorreu no apoio envergonhado à fracassada tentativa de golpe contra o presidente venezuelano, em 2002, Washington desta feita também contribuiu para fornecer a Chávez um pretexto ideal para suas aventuras.
É óbvio que, implícito na encomenda de 24 caças Sukhoi e 53 helicópteros a Moscou e de três radares aéreos a Pequim, está um projeto que vai além da mera reposição de força militar. Os US$ 4,3 bilhões de compras anunciadas desde 2005 -2,5 orçamentos anuais das Forças Armadas do país - elevarão a defesa aérea venezuelana ao que há de melhor na região. Escaramuças com a Colômbia e, algo bem mais plausível, uma intervenção na Guiana, da qual a Venezuela reivindica cerca de dois terços do território, deixariam o terreno das fabulações para tornarem-se opções à mão de Hugo Chávez.
O surto bélico venezuelano já produz efeitos no Brasil. A preocupação com o vizinho do norte ajudou a elevar de R$ 6,9 bilhões para R$ 9,1 bilhões a previsão de investimento nas Forças Armadas brasileiras no ano que vem. Mais R$ 1 bilhão foi autorizado para o programa de processamento de urânio e o projeto de um novo avião militar de carga.
Não é necessário, contudo, nenhum pretexto externo para reconhecer que as Forças Armadas brasileiras estão mal equipadas para o papel que delas se espera: a defesa nacional na era dos armamentos superinteligentes.
Essa deficiência está relacionada à penúria orçamentária por que o país passou nas últimas duas décadas, mas só em parte. O descompasso do poderio militar brasileiro também se explica por escolhas equivocadas sobre onde investir o dinheiro. Para ficar num exemplo, um item de grande poder dissuasório, o submarino nuclear - que não carrega armas atômicas, apenas é movido a energia nuclear -, perdeu prioridade em nome de opções bem menos operacionais.
Ficou a meio caminho, por fim, o projeto tantas vezes enunciado de constituir Forças Armadas mais enxutas, em termos de efetivo, mas com poder de intervenção bastante ampliado - seja por ganhos em mobilidade, seja por uma distribuição regional mais eficiente, seja pelo acesso a armamentos mais sofisticados.
Para que se complete essa modernização desejável, será preciso romper resistências, algumas delas incrustadas na própria corporação militar brasileira.

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