11 outubro 2007

UMA EMOÇÃO INÚTIL

Michael Kepp

[...] A GENTE SE CULPA POR PERDER OPORTUNIDADES MESMO QUE, NA ÉPOCA, NÃO TIVESSE ESCOLHA; ISSO NÃO TORNA O ARREPENDIMENTO UMA EMOÇÃO INÚTIL?

Quem não se arrepende de nada? Algumas celebridades citam a música de Edith Piaf ("Non, Je ne Regrette Rien") para parecerem bem resolvidas ou porque sobreviveram a suas decisões erradas. Mas a maioria se arrepende do leite que derramou ou, muito mais comum, que nem conseguiu beber.
A gente se culpa por perder oportunidades, mesmo que, na época, não tivesse outra escolha. Isso não torna o arrependimento uma emoção inútil?
O taxista se arrepende de não ter feito faculdade apesar de, quando jovem e favelado, não ter tido os meios nem a família que o empurrassem até o objetivo. A suburbana se arrepende de não ter casado com o fazendeiro milionário apesar de, quando adolescente na roça, não ter tido coragem para desobedecer à família que a proibiu.
A diretora e roteirista americana Nora Ephron escreveu que se arrepende de não ter, quando jovem, apreciado seu então gracioso pescoço, que envelheceu mal e mais rápido que seu rosto. Mas que jovem admira o próprio pescoço, imaginando como ficará em 50 anos?
À medida que envelhecemos, nossos arrependimentos, como nossos pescoços, podem assumir uma forma mais definitiva e desagradável. Günter Grass, o maior autor alemão vivo, abalou a terra natal com sua recente autobiografia, revelando-se arrependido de ter pertencido à infame força de elite de Hitler, a Waffen-SS. Justificou o momento da confissão dizendo que só agora, na velhice, encontrou "a forma para discutir o assunto em um contexto mais amplo".
O arrependimento que nasce de todas as chances perdidas é filho da conveniência de um dado momento, ou da falta dela. O que lamentamos não é deixar uma oportunidade de ouro passar, mas simplesmente não estar preparado para aproveitá-la na hora.
Nos meus primeiros meses na faculdade, três amigos me imploraram para ir ao que me prometeram ser um piquenique erótico com quatro meninas desinibidas, que haviam acabado de parar na frente do nosso prédio em dois conversíveis. Precisavam de mais um para formar os casais. Eu disse "não" porque tinha que estudar para a prova do dia seguinte.
Quando chegaram em casa à noite com sorrisos enormes no rosto, já que o piquenique tinha virado suruba, me xinguei por não ter ido e jurei que não perderia outra dessas, que nunca mais me bateu à porta.
Analisando agora, me arrependo não de ter perdido o piquenique, mas de ser virgem quando fui convidado. Não pude aproveitar porque tremia nas bases ao pensar em perder a virgindade na companhia de três homens e mais de uma mulher.
Quando nos damos conta do que tínhamos -seja um lindo pescoço ou uma oportunidade erótica, educacional ou matrimonial-, já não é mais nosso para aproveitar. Ainda assim, lamentamos a perda.
Grass chamou sua autobiografia de "Descascando a Cebola", porque refletir sobre o próprio passado é uma descoberta que ocorre ao longo do tempo, camada por camada, e produz lágrimas.
Mas por que lamentar uma vida que não atingiu a plenitude que esperávamos se percebermos depois que não poderíamos, ou nem queríamos, tê-la vivido de outro modo?

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