Editorial da Folha de S. Paulo
Lula se esmera na arte de contornar contingências, mas sua administração não traduz nenhuma estratégia para o país
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vai contemplar a curvatura da Terra num caça da FAB a 45 mil pés, continua sem plano de vôo até 2010. Advoga que um governante deve ter tempo para "concluir um projeto", mas não diz que projeto sua gestão tem a concluir.Na entrevista concedida a Kennedy Alencar, repórter desta Folha, Lula aparece como um virtuose da tática política. O estilo traduz bem o que tem sido sua administração até aqui: a arte de contornar -e aproveitar-se de- contingências.
José Dirceu foi um bom "quadro", mas cometeu "erros políticos" e teve de deixar o governo. É a Justiça que vai decidir se houve mensalão, "se alguém deu, alguém recebeu, vão ser condenados". Financiamento ilegal de campanha, o caixa dois, "é outra história; é crime eleitoral". Na campanha, Lula carimbou em Geraldo Alckmin o selo da privatização, leiloou sete rodovias federais na semana passada, mas diz agora que nunca criticou privatização "de estrada".
Não há fisiologismo na relação com o Congresso, o loteamento da máquina decorre da opção por um "governo de coalizão". Cobrar mais imposto dos brasileiros em 2003 -para aumentar a poupança pública que paga os juros- foi um "esforço gigantesco que nós fizemos". Diminuir as despesas federais, depreende-se, não é essencial porque o presidente está investido da missão de desmistificar "essa coisa do gasto público".
São piruetas e loopings conhecidos. Os brasileiros, contudo, esperam de oito anos de gestão algo mais que essa contínua exibição da esquadrilha da fumaça.
Na sua opção preferencial pela tática, o governo Lula obteve alguns êxitos. Acertou ao reforçar a macroeconomia herdada do segundo governo FHC, ao enterrar o Fome Zero e aferrar-se ao Bolsa Família, ao incentivar o crédito consignado. Já a condução política no Congresso, além de ter lançado mão de métodos mafiosos, foi desastrosa -e a abertura total ao fisiologismo, agora, não dá mostras de ter melhorado a situação.
O presidente petista foi sobretudo abençoado pela sorte: os ventos favoráveis da economia mundial -não sopravam assim havia 30 anos- sustentam a melhora de todos os indicadores do Brasil. Permanece a dúvida, porém, sobre o que restará de ganho permanente quando a bonança passar.
Onde está a "revolução educacional" que países como a Coréia do Sul souberam projetar e executar rapidamente para emancipar-se do subdesenvolvimento? Onde está a política de inovação capaz de agregar setores novíssimos ao parque produtivo nacional? Onde estão os dispositivos para elevar a produtividade e a qualidade dos serviços públicos? Onde estão as ações para tirar da inércia o ritmo de acesso da maioria da população a habitação e saneamento?
Tudo o que não estiver sob a lógica do imediatismo é estranho à gestão Lula. Mas o presidente, este voa. Voa no Aerolula, voa no jato da FAB e já pensa em rasantes na sucessão de 2014.
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Tantas esperanças, tantos sonhos morreram com o PT no governo.
Resta saber quando o povo vai despertar o ver que o sonho se transformou num grande pesadelo.
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