18 outubro 2007

DO INQUÉRITO AO DIÁLOGO

ROSELY SAYÃO


[...] OS PAIS DA ATUALIDADE SABEM MUITO BEM XERETAR A VIDA DOS FILHOS, MAS NÃO SABEM COMO INTERAGIR COM ELES

Os pais querem saber de tudo da vida dos filhos, principalmente o que se passa com eles na escola. Quando vão buscá-los ou à noite, quando se encontram, é o momento do inquérito: "Como foi na escola hoje?"; "O que fez na hora do recreio?"; "O que aprendeu?", "Quem são seus amigos?" etc. Nessa hora, o que incomoda mesmo os pais, em geral, são as respostas evasivas e monossilábicas que recebem dos filhos, como "normal" ou "tudo bem".
Essa ânsia de saber tudo o que ocorre com o filho, principalmente no espaço escolar, tem suas razões. Vivemos na era do controle, e o aparelho de telefone celular nas mãos de crianças é um sinal emblemático desse anseio paterno. Mas, no final das contas, creio que esse recurso faz com que os pais é que acabem controlados pelos filhos.
Tão importante quanto esse fato é a relação de perda dos filhos que os pais experimentam quando os levam para a escola.
Esta representa o mundo para os mais novos, como bem diz Hannah Arendt e, portanto, representa também para os pais o início da trajetória que os separará dos filhos. E, numa época de laços afetivos tão efêmeros, os pais se ressentem dessa perda. Saber de tudo o que se passa com eles é, em certa medida, uma maneira de resistir ao afastamento.
Curioso é tentar integrar a essa última idéia os resultados de uma pesquisa feita pela Ipsos Public Affairs, comentados numa reportagem da Folha no último dia 12. Surpresa: a pesquisa constata que os pais têm mais prazer de assistir à TV do que de passear ou brincar com os filhos. Como podemos entender essa contradição? Afinal, os pais querem os filhos bem perto, mas não sabem o que fazer quando estão com eles!
É que, ao tentarem controlar a vida dos filhos para terem a sensação de estarem próximos a eles, os pais se esqueceram de como se relacionar de modo humanizado com eles. Os pais da atualidade sabem muito bem xeretar a vida dos filhos, mas não sabem como interagir com eles.
Quando o interrogatório com o filho não funciona, e costuma mesmo não funcionar, apelam para a mesma estratégia com os colegas e amigos dos filhos. Também na busca por pistas informativas, vasculham o computador, os diários, ouvem conversas telefônicas etc.
Outro dia ouvi um depoimento simples de um pai sobre como conseguiu ter da filha mais do que respostas lacônicas. Contou ele que, cansado de perguntar sobre a escola e não ter respostas, decidiu entabular com ela uma conversa. Dispôs-se a contar a respeito de seu dia, de seu trabalho, das dificuldades e dos bons momentos que vivenciara.
A partir de então, não precisou mais perguntar sobre a escola: no diálogo e espontaneamente, a filha passou a falar das vivências escolares significativas para ela.
O que esse pai descobriu, longe de ser uma estratégia para ter as informações que queria, foi uma forma de interagir com a filha, de se colocar na relação, de dialogar e de colocá-la num lugar privilegiado: o de autora de sua narrativa, e não o de mera respondente de perguntas. Talvez muitos pais prefiram ver TV ou fazer questionários aos filhos porque estas são atividades que não exigem interação.


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Não é nada fácil a tarefa de educar filhos.


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