29 outubro 2007

OS JOVENS E A BEBIDA

FolhaTeen


ATÉ A ÚLTIMA GOTA

Novas pesquisas indicam que adolescentes começam a beber cada vez mais cedo e de forma abusiva

Véspera de feriado em uma escola de elite da zona oeste de São Paulo. Quando soa a campainha que marca o fim das aulas, o destino é o mesmo para vários alunos: o boteco mais próximo.
Sinuca, cerveja e pandeiro embalam o início da tarde. Para alguns, a balada vespertina é eventual. Mas, para outros, como Rafael, 15, o bar é passagem obrigatória depois das aulas.
Pelo menos quatro vezes por semana, ele toma entre quatro e cinco garrafas de cerveja com os amigos, enquanto joga uma partida de sinuca na saída do colégio. Na sexta, inclui também quatro doses de pinga.
"Geralmente bebo porque estou de saco cheio da semana e quero dar um "relax". Gosto de ficar bêbado", conta o estudante. Para ele, que se considerava um garoto tímido e "travado" até dois anos atrás, a bebida "facilita várias coisas". "O humor muda, a auto-estima melhora, fica mais fácil de interagir."
Rafael provou bebida alcoólica, oferecida pelos pais, aos nove anos, e começou a beber com regularidade aos 12.
O caso de Rafael não é exceção. Ele ilustra uma tendência de comportamento que especialistas já detectaram entre os adolescentes brasileiros: eles começam a beber cedo e muitos bebem de forma abusiva.
Uma pesquisa elaborada pela Unifesp em parceria com a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) - o 1º Levantamento Nacional sobre os Padrões do Consumo de Álcool na População Brasileira, realizado entre novembro de 2005 e abril de 2006 com dados representativos de 100% da população brasileira-, mostra que a idade de início de consumo de álcool diminuiu nos últimos anos.
Adolescentes que têm hoje entre 18 e 25 começaram a beber aos 15,3, enquanto jovens de 14 a 17 anos começaram aos 13,9 anos.
"É uma adolescência bastante tenra. Provavelmente isso é uma tendência que vem acontecendo há muito tempo, de geração em geração", diz a psicóloga Ilana Pinsky, uma das responsáveis pela pesquisa.
De acordo com o estudo, dois terços dos adolescentes são abstinentes. Mas 16% do total -ou metade dos que consomem álcool- já beberam em "binge" (termo técnico que significa pelo menos quatro doses em uma mesma ocasião), considerado o padrão de consumo de mais alto risco. Entre esses, 30% fizeram isso duas vezes por mês ou mais no último ano.
"O que importa não é se um ou dois terços bebem, mas como eles bebem. O problema é que, entre os que bebem, muitos bebem de forma abusiva", completa a estudiosa.
Apesar de ser proibido vender bebidas alcoólicas para menores de idade, há pouca fiscalização, e são raros os bares que pedem documento de identidade para jovens. A facilidade de comprar, o preço baixo (o Brasil está entre os países em que a cerveja é mais barata) e a grande tolerância social à bebida são fatores que contribuem para o início precoce do consumo de álcool. "No Brasil, o álcool, além de ser altamente tolerado, é até estimulado; é visto como uma coisa obrigatória em muitas situações", comenta Ilana Pinsky.
"Os adolescentes têm dificuldade de ver a bebida como uma droga, como um problema", diz a psiquiatra Sandra Scivoletto, chefe do Ambulatório de Adolescentes e Drogas da Faculdade de Medicina da USP.
Colega de escola de Rafael, João, 16, tem uma rotina parecida com a dele. Bate cartão no boteco ao lado da escola quase diariamente. Depois de tomar cerveja no bar, ele vai para a casa e dorme. Chega atrasado na escola freqüentemente e está indo tão mal que se já considera praticamente reprovado. "Vou mudar para uma escola mais fácil para não perder o ano", admite.
O caso de João ilustra uma das principais conseqüências do uso abusivo de álcool na adolescência: o baixo desempenho escolar. "O jovem que bebe fica mais lento e com a atenção instável", diz a psiquiatra Ana Cecília Marques, pesquisadora da Unidade de Álcool e Drogas (UNIAD) da Unifesp.
Além disso, a exposição a doenças sexualmente transmissíveis e a acidentes de carros também são agravadas pelo álcool. "Em grande quantidade, o álcool desinibe, diminui a atenção e provoca a perda dos reflexos. O adolescente ainda não tem a compreensão perfeita da realidade, por isso está exposto a muito mais riscos que um adulto diante de uma intoxicação alcoólica", diz a presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas), Analice Gigliotti.
A longo prazo, os efeitos são ainda mais nocivos. "A adolescência é a fase em que o cérebro tem mais condições fisiológicas de receber e processar informações. O excesso de álcool dificulta o processo de aprendizagem. Isso pode resultar num adulto com menos habilidades intelectuais", afirma o toxicologista Anthony Wong, da USP.


25% de motoristas mortos em 2005 eram jovens

Quando tinha 22 anos, Vitor, hoje com 24, entrou com seu carro no meio de uma praça em São Paulo, voltando de uma balada. "Eu estava muito bêbado. Até tinha noção do perigo, mas achava que tinha condições de dirigir", diz o estudante.
Por sorte, o acidente não teve vítimas. A praça estava vazia, e Vitor não se machucou. Depois disso, ele garante que nunca mais pegou o carro bêbado. "Peço para algum amigo sóbrio dirigir ou pego um táxi. Eu poderia ter morrido naquele dia ou, o que é pior, ter matado alguém", observa.
Haroldo, 21, também já correu perigo quando pegou carona com um amigo bêbado. "O cara passou no sinal vermelho, e um ônibus bateu na porta do passageiro, em que eu estava sentado", lembra. Por sorte, novamente nada aconteceu.
Os dois estudantes estão na faixa etária que mais bebe. Segundo o estudo da Unifesp, 63% dos jovens de 18 a 24 anos consomem mais de três doses em um dia. Entre os que têm de 25 a 34 anos, esse índice cai para 55% e continua em queda conforme a idade avança.
Nem todos os casos em que há combinação de álcool e direção têm final feliz como esses. Segundo um estudo da faculdade de medicina da USP, 25% dos condutores de veículos mortos em 2005 em SP tinham entre 18 e 25 anos.
Desses, 54% tinham índice de concentração de álcool no sangue acima do permitido por lei (0,6 gramas de álcool por litro de sangue, o equivalente a duas ou três latas de cerveja).
Os dados, que integram a dissertação de mestrado de Julio Ponce, foram obtidos a partir do cruzamento de informações do IML e da CET.


Por que você bebe?

"A sociedade é muito opressora, e a bebida me alivia"
Pedro, 23

"A bebida facilita a vida. Você fica mais desinibido com pessoas que não conhece, faz o que tem vontade. Fica mais fácil de se aproximar dos caras"
Roberta, 17

"Gosto de cerveja porque é refrescante. Quando quero ficar bêbada, bebo tequila"
Iara, 17

"Bebo por uma questão social, me acostumei a beber e a gostar. Se você não bebe, não faz sentido a um bar, a uma festa. Você fica sem vida social"
Denise, 21

"Porque eu fico mais extrovertido, mais comunicativo. Se eu não bebesse, não iria a bares e teria muito menos opções para me divertir"
Carlos, 15

"É uma experiência de vida importante. É bom tomar um porre de vez em quando porque você faz coisas que não faria normalmente, sai do seu mundinho"
Felipe, 17

No fundo do copo

O consumo abusivo do álcool provoca graves problemas de saúde. A quantidade para uma pessoa se prejudicar varia de acordo com cada organismo. Veja o que o álcool pode fazer com você:

Cérebro - Na adolescência, o uso abusivo pode causar a destruição de neurônios e impedir a realização de sinapses, fundamentais a processos como o de aprendizagem. É nessa fase que o cérebro tem mais condições fisiológicas de armazenar e de processar informações. O álcool causa alteração da memória e perda de reflexos, o que pode contribuir para acidentes de trânsito. Bêbado, o adolescente fica mais vulnerável a relações sexuais sem proteção e se expõe a DSTs. O álcool pode aumentar a pressão arterial e provocar derrame cerebral.

Esôfago - O álcool danifica as células do esôfago, causando uma inflamação, chamada esofagite. Pode causar sensação de queimação e dores quando um alimento for engolido. Em casos graves, provoca hemorragia e vômitos de sangue.

Estômago - O álcool contribui para o desenvolvimento da gastrite, uma inflamação da camada interna do estômago. Quando é muito grave, pode causar úlcera, ferida na parede do estômago que provoca dores fortes. Essas alterações, somadas a deficiências no pâncreas, impedem o órgão de absorver corretamente nutrientes (síndrome de má absorção), o que pode resultar em anemia. Além disso, mais de 80% dos cânceres de boca, laringe, faringe e estômago estão relacionados ao álcool.

Fígado - É o único órgão que metaboliza o álcool no organismo. Quando a pessoa bebe demais, ele é sobrecarregado e suas células ficam inflamadas, provocando a hepatite. A cirrose, conseqüência mais grave da hepatite, que pode ocorrer após dez anos de uso abusivo, provoca a degeneração do órgão. As células são destruídas e viram cicatrizes. Um fígado cirrótico perde a capacidade de metabolizar nutrientes e impede a passagem de sangue e de água pelo órgão, provocando, num estágio grave, a ascite, ou "barriga d'água".

Pâncreas - O pâncreas é responsável pela produção de insulina e de enzimas digestivas. Em excesso, o álcool provoca a inflamação desse órgão, a chamada pancreatite, que pode resultar na destruição das células que produzem insulina (levando a uma diabetes) e das que produzem as enzimas digestivas (levando a uma síndrome de má absorção). Provoca dor abdominal e vômitos.

Coração - O álcool provoca um alargamento das fibras do coração, resultando em uma doença cardíaca que pode provocar até a insuficiência do órgão.

Intestino - Assim como o estômago, o intestino pode desenvolver uma úlcera por conta da inflamação das células ou ainda um câncer, além da síndrome de má absorção.

Músculos - O álcool interfere na absorção de vitaminas do complexo B, importantes na transmissão nervosa entre o nervo e a placa motora. Isso provoca uma atrofia muscular, a chamada polineurite alcoólica. Com isso, os músculos ficam enfraquecidos, mais finos, e o usuário crônico passa a ter dificuldade de andar.

Ossos - O álcool enfraquece os ossos, provocando a osteoporose.

Aparelho reprodutor - O uso crônico do álcool provoca alteração nos vasos sangüíneos de todo o corpo. Nos homens, ele pode ter ação nos vasos do pênis, provocando a impotência. Além disso, pode inibir a produção de hormônios que ajudam a produzir os espermatozóides, causando infertilidade no homens. Mulheres que bebem durante a gravidez podem gerar bebês com síndrome fetal alcoólica, uma alteração genética que provoca deformações físicas e retardo mental.


O álcool e as mulheres
As mulheres são muito mais vulneráveis ao álcool do que os homens. Elas têm mais gordura e menos água no organismo, o que dificulta a metabolização da substância no caso de uma intoxicação de álcool. Além disso, há hormônios femininos que reagem mais rapidamente com o álcool e provocam o aparecimento de doenças mais cedo do que nos homens.

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