29 outubro 2007

IRRESPONSABILIDADE INTELECTUAL

ALBA ZALUAR

Houve certo consenso entre intelectuais, artistas e estudantes enquanto tratava-se de lutar contra o regime militar pelas idéias expressas em palavras. Havia os que apostaram no barco furado do confronto violento. Foi mal.
Agora, não mais. As idéias expressas em palavras estão sendo usadas por alguns para incitar jovens pobres (das favelas ou das periferias) a entrar na canoa ainda mais furada do crime violento. Estes jovens estão morrendo como moscas e enriquecendo quem quase não aparece nas notícias e nas investigações policiais.
O jovem da periferia não é nem nosso herói revolucionário (precisa ser muito ingênuo ou mal informado para afirmar isso) nem nosso inimigo número um (precisa ser muito preconceituoso ou mal informado para acreditar nisso). São jovens em busca de identidades, de motivos de orgulho masculino e de meios de sobrevivência. Grande número é morto antes de entender porque a canoa virou.
É na região Sudeste, a mais populosa e rica região do território nacional, que as mortes violentas atingem a taxa mais alta entre os jovens do sexo masculino, mantendo um aumento notável, desde 1980, nas faixas etárias de 15 a 19 anos (de 110,7 por cem mil habitantes em 1980 para 170,6 em 1995) e de 20 a 24 anos (de 177,4 para 269).
Também no Brasil são as armas de fogo que fazem o maior estrago. Entre 1980 e 1995 a taxa de homicídios por armas de fogo no país subiu de 10 por 100 mil habitantes para 38,18 entre homens de 15 a 19 anos. E de 21,66 para 63,68 entre homens de 20 a 24 anos.
No Grande Rio, a taxa de mortalidade por armas de fogo subiu de 59 por 100 mil habitantes em 1980 para 184 em 1995 na faixa de idade de 15 a 19 anos. Na faixa dos 20 a 24 anos, aumentou de 111 para 276 -taxa maior do que a encontrada entre os negros norte-americanos da mesma idade. Nada a ver com a taxa de natalidade, que diminui desde os anos 1970.
No entanto, entre 1981 a 1985, a cidade do Rio de Janeiro tinha 13,9% de pobres; entre 1995 e 1999, passou a ter 12,3%, ou seja, diminuiu a proporção de pobres na população total. Jovens favelados e periféricos perecem em contextos de enorme trauma, sofrimento e crueldade enquanto os intelectuais pretensamente corretos moram em locais mais seguros e ainda pagam pela segurança privada que garante seus bens. Faz sentido?
Respeito à lei é processo coletivo de aprendizagem. Demagogia é interesse próprio que alimenta o delírio de poder e virilidade dos jovens mal socializados. Vamos mudar de lemas: castigo bom é castigo justo; respeito à lei é jogo em que todos ganham.

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