17 outubro 2007

A INVEJA DE LULA

JOSÉ HENRIQUE REIS LOBO


A raiva que Lula demonstra ter de FHC decorre do fato de ele não conseguir conter a admiração pela figura do ex-presidente

A raiva que o presidente Lula demonstra ter de Fernando Henrique Cardoso decorre do fato de ele não conseguir conter a admiração pela figura do ex-presidente. Por isso, critica-o permanentemente, mas o copia em tudo. É mais ou menos como o fã que tenta negar seu ídolo, mas faz tudo igual a ele.
Os psicanalistas, mais que os políticos, poderiam explicar esse processo mental que determina o comportamento de certas personalidades. Às vezes fico pensando se o presidente não é, no fundo, um homem atormentado com essa questão. Afinal, não deve ser fácil alguém se perceber constantemente pautado pela figura de outro cuja imagem gostaria de ver destruída dentro de si.
Em uma pessoa, então, que tem consciência dos poderes que concentra em suas mãos, essa constatação deve atingir, em alguns momentos, a beira do paroxismo, porquanto nem o fato de quase tudo poder lhe permite livrar-se do outro de quem ela gostaria de se libertar.
Mal comparando, talvez, é como o artista que realiza as suas obras, mas não consegue negar para si próprio que elas não passam de cópias de outro que já as fez anteriormente. É comum isso no mundo das artes.
Em se tratando de pintura, as pinceladas às vezes mudam aqui ou ali, as cores são mais ou menos fortes no contexto da obra, mas é praticamente impossível que, exposta, não se notem nela os traços que identificam um outro autor que não o que a assina.
À obra acaba faltando originalidade. Ao autor, criatividade. Um e outra acabam, com o tempo, padecendo da falta de reconhecimento da história.
O grande drama do presidente da República, com o qual ele dá mostras de conviver muito mal, parece estar sendo esse. No íntimo, ele sabe que o seu governo não passa de um plágio do de seu antecessor.
Lavoisier já dizia e Chacrinha insistia: por aqui nada se cria, tudo se copia... Não se pense, porém, que fico feliz com essa constatação.
Primeiro, porque, como alguém sinceramente preocupado com as pessoas enquanto seres humanos, me incomoda pensar que alguém é, de repente, portador de uma neurose que o impede de ser plenamente feliz.
Segundo, porque, como cidadão brasileiro, me incomoda mais ainda verificar que a síndrome do presidente talvez o esteja incapacitando de enxergar que ele não tem sido generoso com o futuro do país.
A paixão que nele identifico pelo ex-presidente Fernando Henrique tornou-se um fator psicológico de inibição do exercício da sua capacidade criativa -que ele tem, inegavelmente, inclusive porque a demonstrou até chegar à Presidência da República.
Mas esse sentimento, que pode ser muito positivo, se tornou negativo na medida em que proibiu o presidente de entender que a admiração, sempre negada, pelo antecessor não deveria tê-lo impedido de mudar tudo aquilo que estava na hora de ser mudado.
Acho mesmo -e o presidente Lula deve saber disso- que tanto o governador José Serra, em 2002, como o ex-governador Geraldo Alckmin, em 2006, se houvessem sido eleitos presidentes da República, teriam alterado algumas políticas do governo FHC.
Fariam isso, com certeza, não por agravo ou por pretenderem se distanciar do ex-presidente, de quem são amigos e companheiros de partido.
Mas nunca lhes faltou a percepção de que algumas políticas adotadas no período de 1994 a 2002, se boas e necessárias na ocasião, precisariam ser alteradas diante das novas conjunturas que se criaram a partir dos oito anos da gestão de Fernando Henrique.
Essa não é, definitivamente, só uma hipótese, mas uma certeza que se apóia, inclusive, em fatos concretos, haja vista a conduta de ambos à frente do governo de São Paulo, em que demonstraram o descortino e a coragem de mudar políticas, prioridades e procedimentos adotados em governos de seus próprios correligionários.
Nem mesmo a interpretação equivocada de setores importantes da mídia, que pretendem ver nessas mudanças sintomas de uma briga intestina no partido a que pertencem Serra e Alckmin, os constrangeu a ponto de não adotá-las. É que, na verdade, falou mais alto a clareza do entendimento de que a dinâmica da sociedade exige que, a seu tempo, os governos alterem suas políticas sem nenhuma outra preocupação senão a de criar condições para que ela possa avançar. Enfim, não sei, não, mas desconfio seriamente de que o aplauso fácil e imediato, quando perseguido freneticamente por um governo, pode até ser alcançado, mas corre o risco de colocar o governante como réu perante o tribunal da história e/ou como paciente no divã de um psicanalista.



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FHC e Lula: não existe comparação.

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