Editorial da Folha de S. Paulo
Descontrole do gasto público distancia Brasil de uma reforma que torne mais simples e mais eficiente a tributação
Sem duas atitudes políticas, a reforma tributária jamais ocorrerá no Brasil. À União cabe assumir o compromisso de controlar suas despesas. Ávido por recursos, o Executivo federal tem sido o primeiro interessado em manter o "statu quo"; é a fonte das principais distorções na tributação. Foi irresponsável, a esse respeito, o comentário do presidente Lula de que choque de gestão é contratar funcionários públicos.
O segundo gesto, da parte de governadores e prefeitos, tem de ser pelo fim das guerras fiscais. Legislações tributárias universais, associadas a políticas de desenvolvimento com critérios objetivos, são a maneira correta de enfrentar as disparidades regionais, sempre invocadas pelos que se lançam a atrair empresas ao preço da cacofonia tributária e da irresponsabilidade fiscal.
No plano ideal, a reforma tributária deveria buscar a racionalização dos impostos - alocá-los de modo a favorecer o emprego e a produção - e a diminuição do número de gravames. Deveria golpear a informalidade e aumentar a base de contribuintes, baixando a carga incidente sobre cada cidadão. Ampliar a chamada progressividade - quanto mais a pessoa ganha, mais paga ao Fisco - também é necessário.
Como não há sistema tributário perfeito, até as melhores propostas de reforma serão incapazes de harmonizar os critérios elencados acima. Um imposto mais justo pode ser mais difícil (isto é, mais custoso) de arrecadar; um tributo mais eficiente em termos econômicos pode facilitar a sonegação e as "engenharias tributárias". Será sempre necessário sacrificar algo.
Renda, consumo e Previdência. A reforma tributária ideal deveria ter como meta a constituição de um tributo único para cada uma dessas grandes categorias econômicas. Hoje transitam nesse universo mais de 15, entre impostos e contribuições.
O Imposto de Renda ganharia em progressividade se os abatimentos de despesas com saúde e educação fossem extintos. Um Imposto sobre Valor Agregado nacional, cobrado no destino da mercadoria e compartilhado entre União, Estados e municípios, premiaria a eficiência econômica, incidindo apenas sobre o que cada etapa da produção acrescenta ao preço do produto. Acabaria a guerra fiscal. Uma contribuição social única, que deixasse de incidir sobre a folha de pagamento das empresas, seria um estímulo à contratação de trabalhadores. Nessa estrutura simplificada, um tributo como a CPMF poderia substituir com vantagens todas as outras contribuições sociais. Como incide bem mais que os outros impostos sobre a informalidade, como é difícil de sonegar e como o custo para arrecadá-la tende a zero, é a modalidade que permite a menor alíquota. O Brasil, obviamente, está muito longe do ideal no que tange à racionalização de tributos. O governo Lula trava a maior batalha do segundo mandato para renovar a CPMF não porque vislumbre melhorar a distribuição da carga. Deseja apenas manter seus cofres abarrotados pelos próximos três anos, à custa do contribuinte, para que possa prosseguir na escalada de gastos. Nesse contexto bem terreno da disputa por recursos da sociedade, os senadores têm a partir de agora uma chance rara de arbitrar em favor da população. O projeto que simplesmente prorroga a CPMF por quatro anos não pode passar incólume. A condição para qualquer acordo deveria ser a de que a carga tributária tem de começar a baixar já no ano que vem.
*
Não acredito que o governo Lula, que defende o aumento dos gastos públicos, promoverá a tão necessária reforma tributária. Quem perde é o Brasil. Ou seja, eu e você.
Nenhum comentário:
Postar um comentário