Editorial da Folha de S. Paulo
Lula estimula debate sobre falsa solução boliviana no gás e se esquiva de enfrentar a questão do setor elétrico
Os brasileiros têm motivo para redobrar sua preocupação com o abastecimento energético no futuro próximo. O governo Luiz Inácio Lula da Silva começa a transmitir mensagens confusas e equivocadas sobre as medidas que tomou - e as que pretende adotar - para enfrentar a mais grave ameaça à continuidade do crescimento."Todos nós sabemos que a Petrobras tem que fazer investimentos para que a gente possa ter mais garantias de que a Bolívia vai ter mais gás para exportar", diz o presidente Lula. Todos sabemos? Sem a explicitação dos termos da reaproximação com La Paz, ninguém pode ter certeza. Terá o presidente Evo Morales se convencido da necessidade de respeitar contratos? Ou esse será mais um acordo na base do "La garantía soy yo"?
A administração Lula, desconcertada com o apagão episódico no gás, na semana passada, apressa-se em ludibriar o público com essa versão de que a Bolívia será a tábua de salvação para o abastecimento do combustível. Falta dizer que qualquer investimento novo que a Petrobras realize hoje dificilmente será capaz de trazer mais gás boliviano ao Brasil em menos de dois anos.
O gasoduto Brasil-Bolívia já opera em sua capacidade máxima. Para cumprir o plano original de elevar em cerca de 50% o fluxo atual, seriam necessárias melhorias - para aumentar a compressão do gás transportado, por exemplo - que não estariam prontas antes de 2010. Mas o plano original foi abandonado pela Petrobras, com razão, após o governo Morales ter quebrado contratos, nacionalizado ativos da estatal brasileira e lhe imposto um arrocho tributário.
Ao redescobrir a Bolívia, o governo Lula tampouco revela que o país andino assumiu compromissos de venda de gás que excedem em mais de 10% sua produção. Não é à toa que falta suprimento para a termelétrica de Cuiabá. A propalada estratégia de trazer "mais gás" boliviano soa na verdade como tentativa de assegurar o fornecimento já contratado com o Brasil.
Enquanto estimula discussões sobre a falsa solução boliviana, o Planalto vai se esquivando de tomar medidas que atinjam o cerne da crise - o setor elétrico. Por mais que o preço do gás suba no mercado brasileiro, dificilmente a sua vantagem econômica em relação ao petróleo, cujo barril já roça os US$ 100, vai desaparecer. Continuará havendo um estímulo natural para o uso do gás.
Diante disso, medidas para inibir a demanda pelo gás natural, embora necessárias, terão efeito limitado. É preciso redesenhar o modelo de contratos no setor de energia elétrica, em especial para os chamados grandes consumidores. Está aí uma das fontes de instabilidade que ameaçam produzir mais um racionamento de eletricidade no Brasil.
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