JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
Quem mata alguém com 18 anos e 1 mês pode receber pena de 30 anos. Mas, se estuprar e tiver 17 anos e 11 meses, estará livre em três
Não há uma idade mínima consensual para a responsabilidade penal. Na Europa, a média é 13 anos. Na Ásia, 9,9. Na África, 9,7. No Oriente Médio, 9 (mulheres) ou 15 (homens). Nos Estados Unidos, entre 6 e 18, a depender do Código Penal de cada um dos seus 51 Estados (contando o Distrito Federal). Explicam-se as diferenças porque, não obstante biologicamente iguais, os homens, em alguns países, logo começam a exercer responsabilidades.
E também em razão da intensidade das angústias sociais por segurança.
No Brasil, temos a mais alta idade: 18 anos, seguindo tendência da América Latina, que oscila entre 18 e 16 anos. Tudo justificado pela apartação social, decorrente de um modelo econômico excludente que entulha penitenciárias de pretos, pardos e pobres.
Seja como for, para o futuro, muito provavelmente essa idade tenderá a ser reduzida. Sobretudo por estarem os jovens se tornando maduros mais cedo, devido a estímulos ao consumo e à rude competição pela subsistência. A essa conclusão chegou congresso da ONU sobre criminalidade, em Pequim. Mais cedo amadurecendo, mais cedo tenderão a responder por seus atos. Inclusive penalmente.
Complicado, entre nós, é que essas diferenças de idade, na legislação, resultam enormes. Maior, criminoso, vai às penitenciárias. Menor, autor de "ato infracional" (art. 103 do ECA), cumpre 12 diferentes "medidas socioeducativas" (arts. 101 e 112), inclusive "internação em estabelecimento educacional" (art. 112, VI) - eufemismo que corresponde a privação de liberdade. O problema é que, no máximo, quando fizerem 21 anos (art. 121, par. 5º), estarão todos livres, com folhas corridas limpas (arts. 143 e 144).
São regras muito distintas para realidades não tão distintas assim. Quem mata alguém com 18 anos e 1 mês pode receber pena de 30 anos. Mas, se estuprar ou for executor de grupos de extermínio e tiver 17 anos e 11 meses, estará livre três anos depois (art. 121, par. 3º). Simplesmente não parece justo. Sem contar que esse cenário vai se banalizando, resultando a cada dia mais numerosos os casos de menores envolvidos em crimes bárbaros.
Aqui em Pernambuco, por exemplo, circulou por vários "centros de acolhimento" um menor envolvido na pistolagem de Garanhuns. Mesmo jovem, já respondia por numerosas mortes. Nesses "centros", aproveitou e aumentou sua estatística. Para evitar que continuasse a matar, acabou mandado à distante Petrolina, onde passou a ocupar "alojamento" (art. 124, X) -em verdade, uma cela individual. Por pouco tempo. Ainda com 20 anos, sairá, fagueiro e sem nenhum registro na folha corrida, para dar seqüência à sua vida "profissional".
O mais elementar bom senso sugere que, sob nenhum pretexto, um quadro assim pode ser defendido. Na essência, o problema está fundamentalmente nos casos concretos. Em outras palavras, cumpre saber se a regra geral da proteção ao menor pode (ou deve) ter exceções. Se assim for, devemos começar por definir um outro sistema de proteção no ECA. Sendo necessário produzir um sistema em que alguns desses menores criminosos, de (muito) difícil recuperação, possam deixar de receber os generosos benefícios da minoridade protegida. Passando, então, a ser julgados como se maiores fossem.
Um tal sistema poderia operar em duas possíveis direções: a) estabelecendo critérios objetivos pelos quais o menor deixaria de ter o benefício do ECA -por exemplo, quantidade e natureza dos crimes; ou b) conferindo ao juiz poder para julgar, como se maiores fossem, os ainda formalmente menores que tenham plena consciência do caráter criminoso de seus atos, atuando isoladamente ou com o Ministério Público e, se for o caso, com entidades da sociedade civil.
Em resumo, a decisão de manter, como regra, nossa maioridade aos 18 anos parece aceitável. Mas só se se retire, da regra geral da impunidade (no fundo é isso) do ECA, menores apenas em suas carteiras de identidade. Criminosos (no fundo é isso) que devem responder por seus crimes como se maiores fossem, posto o serem de fato, no mundo real. Aqueles contra os quais o indeterminado cidadão comum tem direito de se defender.
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