KENNEDY ALENCAR
Nunca antes neste país todos os aeroportos ficaram fechados. Entre as muitas decisões equivocadas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao longo da crônica crise da aviação civil, uma foi acertada: a de negociar com os controladores de vôos militares que se amotinaram na sexta-feira (30/3).
As cenas de caos nos aeroportos exibidas na TV evidenciaram a falta de alternativa. Uma funcionária de uma companhia aérea levou um soco porque foi reclamar com o passageiro irritado que ele deveria pagar pela derrubada de uma divisória. O agressor levou um sopapo de outro passageiro e foi parar no chão.
Um homem de 54 anos morreu de infarto, em Curitiba, depois de passar mal no aeroporto. Pais, mães e filhos dormiram no chão. Um casal em lua-de-mel não pode embarcar para Buenos Aires. E por aí foi...
Tudo isso aconteceu com a paralisação de menos de um dia dos controladores de vôo militares. A greve durou do final da tarde de sexta à madrugada de sábado, quando foi fechado acordo entre o governo e os amotinados.
Entre preservar uma hierarquia militar que já estava mais do que quebrada e colocar fim o mais rápido possível ao caos, Lula não hesitou. Refém dos controladores aéreos devido à sua própria ineficiência nos últimos meses para sanar a crise e se precaver contra chantagens, o presidente não tinha outro caminho.
Na noite de sexta, ainda em vôo para os Estados Unidos, Lula conversou com o próprio comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Juniti Saito, quando soube que ele ordenara a prisão dos amotinados. O presidente perguntou ao brigadeiro se, uma vez presos os controladores, ele teria substitutos que pudessem normalizar o tráfego aéreo. Resposta do próprio Saito: não. Reação do presidente: então não dá para prender os controladores; o jeito é negociar. Lula achou que a radicalizarão criaria um problema ainda maior. Saito, então, concordou com ele.
E a hierarquia militar? Ora, os militares têm quebrado essa hierarquia desde a criação do Ministério da Defesa no governo FHC. Boicotaram todos os seus chefes civis.
Na gestão Lula, José Viegas foi derrubado por uma articulação dos militares. O vice-presidente da República, José Alencar, assumiu a pasta e lhe conferiu aparência de normalidade. Mas sua gestão foi um desastre. Postergou uma solução para a crise da Varig, jogando fora o trabalho de Viegas. O vozeirão e a figura simpática ajudavam a criar um clima de autoridade, mas o resultado foi zero. Não entendia nada da área. Foi tão mal que Lula decidiu tentar com Waldir Pires.
Então, aconteceu algo parecido com o ocorrido a Viegas. Pires era ridicularizado e dinamitado pelos comandantes das Forças Armadas que antecederam os atuais. Claro que ele ajudou bastante com suas trapalhadas.
Lula assistiu a tudo isso durante quatro anos. No final de 2006, decidiu trocar Pires, mas queria fazê-lo na reforma ministerial para lhe dar ar de mudança natural. Mas veio novo pico da crise, e Lula cometeu mais um erro: disse que não tiraria Pires "debaixo de crítica".
Houvesse uma alternativa concreta, faria sentido a discussão sobre quebra de hierarquia e crise militar.
Existe até um lado positivo na desautorização do comandante da Aeronáutica. Ainda que não tenha tido esse objetivo, a decisão de Lula quebrou de vez o tabu do fantasma militar numa hora simbólica: véspera do aniversário de 43 anos do golpe que instaurou a ditadura de 1964.
Obviamente, não há o menor clima para golpe militar ou crise que leve à contestação da autoridade civil. No entanto, o Brasil gosta de alimentar esse fantasma. Freqüentemente, cientistas políticos, parlamentares e jornalistas dizem que é preciso muito cuidado para não melindrar as Forças Armadas. Registram que o país teve poucos períodos de normalidade democrática etc. O recado é sempre o mesmo: não vamos bulir com quem está quieto.
Na campanha eleitoral de 2002, havia temores em áreas civis a respeito da recepção dos militares à provável eleição de Lula. O PT abriu canais para não se surpreender. Incrível, mas isso faz pouco tempo.
Agir rapidamente era mais importante do que a autoridade da cúpula da Aeronáutica, que tem lidado mal com os controladores. Na sexta, as quatro companhias americanas que voam para o Brasil simplesmente cancelaram os vôos.
O efeito disso é desastroso. Gera insegurança para o ambiente de negócios. Repercute negativamente no turismo. Uma paralisação de dias para preservar uma hierarquia militar que já não existia não era o preço certo a ser pago. Foi ruim, mas poderia ter sido pior. Lula não precisa tomar atitudes apenas para restaurar a cadeia de comando militar. Antes de tudo, precisa restaurar o respeito das Forças Armadas ao Ministério da Defesa.
Testado na marra
Lula gostou da estréia de Franklin Martins, novo ministro de Comunicação Social. De cara, o jornalista caiu numa crise de grandes proporções e atuou de modo eficaz para tentar minimizar danos. Franklin vai participar das reuniões da Coordenação de Governo, grupo que se encontra com Lula praticamente toda semana para definir as diretrizes administrativas.
O novo ministro ocupará espaço. Há uma espécie de vácuo no entorno presidencial para avaliações que mesclem bom senso, menos mania de perseguição e mais inteligência.
Apagão e salto alto
Desde a reeleição, Lula voltou a subir num tremendo salto alto. Demorou cinco meses para fazer a reforma ministerial. Não mexeu na Defesa. E está colhendo um apagão aéreo com possibilidade cada dia maior de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
Mas Lula tem mais sorte do que FHC até nas grandes crises. O tucano sofreu com o apagão de energia, que prejudicava dos mais pobres aos mais ricos. O apagão de Lula atinge da classe média para cima.
O mais provável é que o mau humor dessa fatia da sociedade volte a se manifestar com toda força contra o presidente, que, mais uma vez, vai se escorar nas medidas em benefício dos mais pobres. O clima bom de um primeiro ano de governo começa a ficar cheio de nuvens carregadas.
Cinema
Há um filme muito interessante sobre como a autoridade civil deve lidar com a militar. "Treze dias que abalaram o mundo", dirigido por Roger Donaldson e estrelado por Kevin Costner no papel de assessor de Kennedy, mostra como o presidente americano tratou de segurar o radicalismo de militares durante a crise dos mísseis que a União Soviética instalara em Cuba, no ano de 1962, auge da Guerra Fria.
Kennedy desautorizou, sim, seus militares. Razão: a alternativa era muito pior, uma guerra nuclear. O presidente americano tomou a decisão correta.
Guardadas as devidas proporções, pois a crise vivida por Lula é fichinha perto daquela, vale a pena ver o filme. Ajuda a avaliar e a pesar os papéis de civis e militares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário