O artigo abaixo é uma síntese da administração pública no Brasil, que mais uma vez está na contramão da história. Na maioria dos países de primeiro mundo se trabalha para diminuir o tamanho do Estado, aqui, cada vez mais, aumenta-se o tamanho da máquina pública.
Enquanto que União e Estados ficam com a maior parte da arrecadação, os Municípios ficam com apenas 0.42%, e são os grandes responsáveis pelo atendimento às pessoas.
UMA FEDERAÇÃO SEM GPS
CELSO GIGLIO (*)
Vivemos uma situação perversa, uma espécie de premiação às avessas: os municípios, que fazem mais, são punidos
O presidente Lula lançou, recentemente, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A iniciativa, apesar de seu caráter grandiloqüente e teatral, foi criticada porque o governo federal elaborou um projeto detalhadíssimo - o plano prevê até a criação de mais 700 vagas para automóveis no estacionamento do aeroporto de Confins (MG) - sem ouvir o Poder Legislativo, os governadores e, muito menos, os prefeitos. Além disso, o PAC não aborda aspectos essenciais. Não fala do aumento da carga tributária ou da necessidade de reformar a Previdência. Nenhuma palavra sobre a necessidade de brecar o aumento do Estado. Enquanto o mundo todo se esforça para criar condições para que a iniciativa privada viceje, o Brasil vai aumentando o número de funcionários públicos e criando estatais. Não demorou muito, começaram os movimentos. Os governadores, que parecem ser o segmento mais unido e organizado, saíram em campo com suas reivindicações. Falam em uma "agenda federativa". Se, em vez de "agenda federativa", falassem em "aumento de recursos dos Estados", o título também não estaria muito distante da realidade. Os chefes dos Executivos estaduais não estão errados: têm dificuldades financeiras, tarefas a cumprir e querem recursos. Os governadores reivindicam: 30% da arrecadação da CPMF, a desvinculação de 20% das receitas estaduais (o que dá liberdade para investir), uma ampliação na partilha da Cide e um repasse maior de recursos para a educação. Interessante e peculiar essa "agenda federativa", que deixa de fora, "apenas", os mais de 5.500 municípios brasileiros. Para não ser injusto, lá pelas tantas, os governadores falam em dar 10% da arrecadação da CPMF para os municípios. Se a divisão fosse equânime, daria R$ 18 por cada habitante dos municípios/ano. Não dá para pagar a passagem de ônibus para um idoso por 15 dias! No Brasil, parece acontecer o seguinte raciocínio: os três entes da Federação são dois, União e Estados. Os municípios, apesar das sucessivas marchas dos prefeitos à Brasília, que são muito interessantes para os noticiários noturnos das TVs, normalmente ficam de fora das grandes discussões nacionais. Essa falta de consideração não faz jus ao trabalho das prefeituras. Hoje, os municípios são responsáveis por uma série interminável de atribuições em áreas-chave da administração pública. Duas citações bastariam: educação e saúde. Além disso, as prefeituras cuidam da segurança, da habitação, dos transportes, da limpeza, do saneamento e por aí vai. Para completar o quadro, ainda cumprem tarefas de competência exclusiva da União e dos Estados. Dados do Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) indicam que os municípios gastam algo em torno de R$ 5 bilhões por ano para prestar serviços dessa "transferência informal". Apesar do PAC e de todo o "oba-oba", o PIB do Brasil tem um crescimento pífio, destoando, e muito, da média mundial. Os investimentos públicos federais caíram no mandato do presidente Lula, chegando a apenas 0,7% do PIB. O que se vê, em vista disso, são estradas esburacadas, energia necessitando de investimentos e o insuportável caos aéreo. O mundo está indo para um lado, e o Brasil, para outro. A experiência internacional dos países desenvolvidos ensina que o ideal é um Estado pequeno e descentralizado, com população instruída. Aqui, ele cresce e é cada vez mais centralizado. Nos últimos seis anos, a soma dos tributos que a sociedade paga cresceu 6,94 pontos percentuais. Desse total, 5,06 foram para a União, 1,46 foram para os Estados e apenas 0,42 ficaram com os municípios. No que diz respeito à educação, o Brasil tem conseguido tristes recordes negativos nos rankings internacionais. Falta GPS à nossa Federação. Vivemos uma situação perversa, uma espécie de premiação às avessas: os municípios, que fazem mais, são punidos. Seria uma excelente providência iniciarmos esse novo mandato menos preocupados com as vagas do aeroporto de Confins e mais empenhados em discutir um novo pacto federativo que aumente a eficiência do nossa administração pública.
(*) CELSO GIGLIO, médico, 62, é deputado estadual (SP) pelo PSDB. Foi prefeito de Osasco por dois mandatos, deputado federal e presidente da Associação Paulista de Municípios (1997-2006).
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