Roberto Pompeu de Toledo
O cavalo em questão é o do candomblé; quem o procura é o professor Mangabeira Unger
O professor Roberto Mangabeira Unger acabara de virar ministro, mas, na conversa que manteve com a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, na semana passada, o momento excelso, para o comum das pessoas, tão cheio de promessas e de íntima satisfação, que é o de ascender ao primeiro escalão do governo, parecia-lhe antes queimar-lhe as vísceras do que afagar-lhe o ego. "Ministro, aqui é da Folha de S.Paulo", começou a jornalista. "Olha, eu falarei à imprensa quando regressar ao Brasil. Estou terminando os meus cursos." Mangabeira Unger é professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e era de lá que falava. "O senhor mudou de opinião sobre o governo Lula?", insistiu a jornalista. "Não, não, não! Me desculpe, eu vou falar com a imprensa quando regressar ao país." A jornalista ainda fez nova tentativa: "Está todo mundo na dúvida..." Mangabeira Unger: "Eu não vou falar. Mas estarei à disposição quando voltar".
O novo "ministro das Ações de Longo Prazo", como foi batizada a pasta com que foi contemplado, soava aflito como quem, no curto, curtíssimo prazo, tem a tarefa ingrata de encontrar uma maneira de explicar-se. Mangabeira Unger não recebeu mensalão de Delúbio Soares nem integrava a máfia da venda de sentenças judiciais. No entanto, na breve conversa com Mônica Bergamo, parecia incomodado como se tivesse pesadas culpas a expiar.
O caso da nomeação do professor de Harvard para o ministério é dos mais espantosos deste espantoso governo Lula. Em novembro de 2005, Mangabeira Unger reagiu à crise do mensalão com um artigo devastador. "Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto da nossa história nacional" era a primeira frase. Ninguém foi tão direto e contundente, nem naquele período, nem em nenhum outro. O artigo usava o recurso retórico de começar cada parágrafo com um "afirmo", e a cada "afirmo" vinha chumbo grosso. "Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. (...) Afirmo que descumpririam seu juramento constitucional e demonstrariam deslealdade para com a República os mandatários que, em nome da lealdade ao presidente, deixassem de exigir seu impedimento." Em outros "afirmo", o governo Lula é acusado de "fraudar a vontade dos brasileiros" e o presidente, pessoalmente, de ser "avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância".
Um ano e meio depois – só um ano e meio! – o autor de tal diatribe é premiado com a nomeação para o ministério. A virada é desconcertante como, para citar um caso remoto da história do Brasil, a do jornalista e político do Império Francisco de Sales Tôrres Homem, que desancava os Bragança como uma "estirpe sinistra", capaz tão-somente de gerar "crápulas", "pusilânimes", "libidinosos", "fracos" e "ignorantes" e acabou não apenas ministro como também, por ação direta de dom Pedro II, nomeado senador e agraciado com um título nobiliárquico (visconde de Inhomirim). Num caso como no outro, quem nomeia e agracia é a parte forte da equação. Tanto para dom Pedro II, a seu tempo, quanto agora para Lula, é o momento de rir por dentro. "Viu como eles são? Viu como lhes basta um afago? Viu como são capazes de se desmoralizar? De deixar claro que o que diziam era pura bazófia?" É também o momento de se mostrarem superiores e magnânimos. Dizem que Tôrres Homem chegou a ajoelhar-se diante do imperador e pedir perdão.
Agora é a vez de Mangabeira Unger, esse curioso personagem, que já serviu nas proximidades de Leonel Brizola e Ciro Gomes e, antes de achegar-se à legião lulista, filiou-se ao PRB, partido da Igreja Universal do Reino de Deus, mesmo não tendo nada a ver com a crença ou os negócios pentecostais. Ter aceito a nomeação equivale a pôr-se de joelhos. Por que o fez? "Ele mudou de idéia", disse o senador fluminense Marcelo Crivella, seu colega de PRB. Bem, até aí... Caso continuasse com a mesma idéia, a única explicação seria que, baldados seus esforços de minar o governo de fora, tentaria agora fazê-lo por dentro. O mais provável é que Mangabeira Unger não tenha mudado nem deixado de mudar de idéia. Simplesmente lhe seria irrelevante a corrupção no governo, ou a aversão de seu chefe ao trabalho e ao estudo, desde que lhe seja facultado o acesso ao ouvido do presidente. Isso combina melhor com a trajetória e o perfil do personagem.
Mangabeira Unger é um autor na desesperada busca de um personagem. Ou, melhor ainda, um espírito, um puro espírito, em busca de um corpo em que encarnar. Ou um santo que, como no candomblé, procura um cavalo de que se apossar. Foi assim que tentou atrelar-se a Brizola, depois a Ciro Gomes. O professor é um teórico cheio de receitas para o país. Busca um político com popularidade e poder para implementá-las. O problema é que, na novel relação com Lula, sai em desvantagem. Ao recebê-lo, o presidente o fará sempre com um risinho escondido, lá dentro.
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