19 julho 2007

PRIMEIRO, A BONBONNIÈRE; DEPOIS, A PISTA

RUY CASTRO

O poeta Vinicius de Moraes já dizia: "É mais pesado que o ar, tem motor a explosão e foi inventado por brasileiro. Não pode dar certo". Durante 40 anos, essa foi apenas uma "boutade" de Vinicius sobre o avião, meio de transporte do qual, mesmo quando diplomata, guardava prudente distância.
Hoje, ela ganhou um amargo sabor de realidade. Depois de habituar-se a maltratar passageiros antes, durante e depois de vôos, aeroportos e companhias aéreas brasileiros estão se dedicando a matá-los. Não admira que venham perdendo freguesia.
Pesquisa sem valor de amostragem, ontem no UOL, perguntou a cerca de 10 mil assinantes se, em vista dos últimos acontecimentos, sentiam-se seguros para viajar de avião.
O não ganhou de goleada: 78% a 22%. Donde, mesmo que os aeroportos voltem a funcionar direito e as empresas do setor troquem ganância por espírito público, poderemos ter esvaziamento em massa do transporte aéreo. Quebrou-se a confiança no veículo e em quem o opera.
Posso tirar por mim. Por causa de livros que publico, sou freqüentemente convidado a visitar cidades que adoro e onde tenho amigos. Nos últimos tempos, já estava aprendendo a me adaptar às longas esperas nos aeroportos, ao crescente desconforto das poltronas, a indecentes aparelhinhos de TV transmitindo comerciais no vôo e à mesquinha dieta de barras de cereal - tudo pela literatura.
Mas, a partir de agora, pensarei duas vezes se quero arriscar o pescoço num aparelho que pode muito bem não pousar - e só porque o aeroporto, vide Congonhas, começou sua suntuosa reforma pela bonbonnière, deixando por último a pista.
Acontece que, se viajo ou deixo de viajar para dar uma palestra ou assinar livros, isso só altera meu cotidiano e o de algumas pessoas. Mas há uma quantidade fenomenal de brasileiros que precisa voar para lá e para cá o ano inteiro, para prestar serviços, fechar negócios, cumprir contratos - enfim, para fazer a economia funcionar.
Por acaso, são todos, ou quase todos, seres humanos, sujeitos a medo. Suas empresas terão o direito de obrigá-los a esquecê-lo e viajar - ou, a partir de agora, deveriam pagar-lhes um adicional de insalubridade para cada tumba voadora em que forem obrigados a embarcar?
Acontece que quem viaja a negócios, bem ou mal, terá de continuar viajando. Mas os que viajam a prazer, em busca de sol, praia e pernas de fora - direitos inalienáveis do ser humano, mesmo que por alguns dias do ano -, poderão optar por ficar em casa em férias ou feriados. Com isso, perdem cidades como o Rio e as capitais do Nordeste, que têm mais a oferecer ao viajante do que uma sala fechada no 25º andar, feita só para gerar dinheiro que tem cada vez menos o que comprar.

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Tudo é questão de prioridade.
Quem escolheu quem iria escolher a prioridade?

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