19 julho 2007

PACIENTES E MÉDICOS

BORIS FAUSTO


Tomo a relação entre médico e paciente na visão de um leigo que acumulou certa experiência no campo da sensibilidade

Na medida em que envelhecemos, a saúde ocupa uma parte considerável de nossos pensamentos e das conversas com gente da mesma ou quase da mesma idade. Não é nenhum sinal de morbidez, como tendem a pensar os mais novos, mas uma tendência positiva, originada da perda da ilusão da imortalidade e do desejo de prolongar ao máximo a existência em condições saudáveis.
Desses pensamentos e conversas nasce um interesse mais amplo, sobre medicação adequada, práticas alternativas à arte médica formalmente reconhecida, relação entre paciente e médico etc. Tomo aqui este último tópico, na perspectiva de um leigo que, apesar de seu limitado conhecimento, acumulou certa experiência no campo da sensibilidade ao longo dos anos.
Um ponto nevrálgico da relação entre pacientes e médicos diz respeito à comunicação. Os primeiros, quase sempre, querem falar, descrever seus sintomas, expressar suas queixas. Entretanto, certos médicos preferem não ouvir ou, quando muito, admitem a fala do paciente como um inevitável ruído preliminar. Significativamente, "paciente", numa das definições do dicionário "Houaiss", é aquele "que tem paciência", que é "sereno, conformado" -atribuições indicativas de uma atitude de resignação.
Bem sei existirem muitos profissionais que consideram ser essencial ouvir seus clientes, assim como não ignoro a importância de cursos, palestras, textos dedicados ao tema aqui focalizado. Entretanto, vários fatores conspiram contra os resultados dessas iniciativas. Entre eles, a natureza da formação médica, as imposições da prática profissional nos dias que correm e o avanço, aliás inestimável, da tecnologia.
No que diz respeito à formação médica, considerados os longos anos de estudo, o grau de especialização, a circunstância crucial de lidar muitas vezes com alternativas de vida ou morte, há uma tendência, entre certos médicos, de se considerar "um ser especial". Esse comportamento -é forçoso reconhecer- não resulta apenas do especialista, pois é incentivado por muitos pacientes, que anseiam pela infalibilidade do diagnóstico e da cura, nem sempre possível. Ao mesmo tempo, ocorreu com a profissão médica uma transformação que reduziu boa parte de sua antiga aura e tendeu a conduzir, por outras vias, à dificuldade de comunicação.
Excetuados os estratos profissionais de prestígio, muitos médicos passaram à condição de assalariados, com salários nada brilhantes, obrigados a realizar atividades em diferentes locais. Isso sem se falar na pressão exercida pelo pagamento irrisório de consultas por parte de alguns convênios médicos, o que força o profissional a multiplicá-las. Em ambos os casos, o tempo para ouvir o paciente se reduziu, resultando na perda de qualidade profissional. A tecnologia é outro fator que concorre para dificultar a comunicação.
Se temos exames de laboratório de crescente qualidade, se temos imagens cada vez mais aperfeiçoadas que permitem vislumbrar desde minúcias de fraturas a tumores insidiosos em estágio inicial de evolução, por que se preocupar com a relação médico-paciente? A resposta talvez possa ser resumida em poucas palavras. A comunicação entre as partes e, se possível, a empatia gerada por uma boa relação, cristalizada ao longo do tempo, são elementos fundamentais no sentido de evitar, tanto quanto possível, erros cognitivos por parte do médico e de proporcionar ao paciente um conforto e uma segurança afetiva, indispensáveis. O desígnio maior, admitidas todas as dificuldades, é o de transformar, cada vez mais, a relação médico-paciente em uma parceria, sem diminuir em nada o saber especializado que o médico detém.
Tudo isso se refere a situações relativamente rotineiras. Um quadro particular, muito delicado, diz respeito à transmissão a parentes e ao próprio paciente do diagnóstico inesperado de um caso considerado terminal. Nessa circunstância difícil, o papel do especialista é fundamental. Hoje, via de regra, optam os médicos por não ocultar o diagnóstico doloroso à família e ao paciente. Mas essa opção correta ainda diz pouco, pois é preciso encontrar a forma e o momento adequados da comunicação.
Mais do que isso, é preciso deixar aberta uma fresta ou, quem sabe, uma porta de esperança. Para tanto, creio na necessidade do reconhecimento de que cada caso é um caso e de que dados estatísticos, técnicas de qualidade reconhecida etc. não dizem tudo. Surpresas positivas são raras, mas podem ocorrer - e não acredito que caiam do céu.

*

Esta relação não é fácil.
E há uma série de fatores a serem considerados.
Difícil mesmo é encontar consenso.

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