SERGIO FERNANDO MORO
Essa estatística confirma a percepção geral de que o foro privilegiado significa, na prática, impunidade, o que gera uma contradição moral
No Brasil , as autoridades que ocupam posições elevadas no âmbito dos três Poderes têm direito ao assim denominado "foro privilegiado". Isso significa que não são processadas criminalmente como os demais cidadãos, ou seja, por meio de uma ação criminal na primeira instância e com direito a recursos para as instâncias superiores. São processadas diretamente perante os tribunais recursais e superiores.
Assim, por exemplo, juízes e deputados estaduais são processados diretamente nos tribunais recursais, governadores, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), e deputados federais, senadores, ministros de Estado e o presidente da República, no STF (Supremo Tribunal Federal). O grande problema é que os tribunais recursais e superiores são estruturados para a sua função básica, a de julgar recursos, e não estão preparados para processar e julgar originariamente ações penais. Isso leva a ações penais de trâmite excessivamente lento, às vezes sem outro fim senão o reconhecimento da prescrição do crime pela demora no julgamento.
Levantamento estatístico revela que, de 93 ações penais propostas originariamente no STF no período de 2002 a 2006, nenhuma, até o momento, resultou em condenação criminal. É certo que a falta de uma condenação pode ter motivos diversos, como a falta de provas, mas seria de esperar, de uma amostra de quase uma centena de casos, pelo menos algumas condenações. Essa estatística confirma a percepção geral de que o foro privilegiado significa, na prática, impunidade. Não porque os tribunais recursais ou superiores sejam compostos por magistrados comprometidos ou irresponsáveis, mas porque o mecanismo processual não funciona.
Isso gera uma grande contradição moral. Quanto maiores os poderes, maiores devem ser as responsabilidades. O foro privilegiado segue uma lógica inversa. Protege quem tem mais poderes. Privilegia quem deveria estar submetido a maior controle público. Gera irresponsabilidade. Ele, dessa forma, ofende nosso senso básico de justiça. Por isso é errado. Mas também é errado porque, na prática, gera a impunidade. Em um momento no qual a sociedade brasileira clama por um sistema de Justiça criminal mais eficiente, é assombroso que o Congresso Nacional esteja discutindo não a eliminação ou a redução sensível do foro privilegiado, mas, sim, a sua ampliação.
Com efeito, a PEC (proposta de emenda constitucional) nº 358/2005, já aprovada em primeiro turno no Senado Federal e aguardando votação na Câmara dos Deputados, pretende estender o foro privilegiado para ex-autoridades e ainda para as ações de improbidade. Faz-se necessário que a sociedade civil organizada de nosso país desperte para essa proposta, para suas conseqüências e para o próprio instituto do foro privilegiado.
As autoridades em postos elevados ou mesmo ex-autoridades precisam de maior proteção legal? Os amplos mecanismos de defesa e de recursos existentes em nosso sistema legal e disponíveis a qualquer cidadão já não seriam suficientes para protegê-las contra arbitrariedades? Ainda que se entenda pela necessidade de uma proteção adicional, se justifica medida que, na prática, gera irresponsabilidade e impunidade?
As respostas talvez sejam claras em uma democracia que tem por fundamento o princípio de que todos devem ser tratados como iguais perante a lei e o princípio da responsabilidade dos governantes ante os governados. O sistema de Justiça criminal no Brasil, abrangendo polícia, Ministério Público, Judiciário, investigação, processo, julgamento e aplicação da pena, demanda profunda reforma. A impunidade é grande e funciona como impulso para o crime.
Um choque de eficiência deve observar, por certo, o marco dos direitos fundamentais, mas é forçoso reconhecer a sua necessidade. Um passo necessário é, se não eliminar de todo os privilégios injustificados e de caráter mais próprios a um regime aristocrático do que democrático, pelo menos dizer "não" a qualquer proposta que vise ampliá-los, como a proposta de emenda constitucional nº 358/ 2005.
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"Todos são iguais perante a Lei..." Diz a Consituição Brasileira.
Todos, quem?
Não há palavras para descrever o absurdo do "foro privilegiado".
O que resta a nós, cidadãos comuns?!
Um comentário:
Apenas chorar...
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