Um dos ícones da supervitoriosa geração de vôlei, atleta faz críticas ao governo brasileiro e diz que pessoas levam "para a vida delas" a determinação da seleção
"Nosso time, que não desiste nunca, dá esperança ao Brasil"
Considerado o mais habilidoso jogador de vôlei do mundo, Gilberto Amauri de Godoy Filho, 30, o Giba, já iniciou sua contagem regressiva. Após a Olimpíada de Pequim-08, vai pendurar a camisa da seleção. O atacante, dois títulos mundiais e um olímpico, é um dos símbolos da vitoriosa era Bernardinho. Com o ouro no Pan, sábado, não faltam mais troféus a essa geração.
INFÂNCIA DO ÍDOLO, EM LONDRINA, FOI DIFÍCIL
Giba teve leucemia aos seis meses. Aos 10 anos, já no vôlei, caiu de uma árvore na grade de um portão e levou 150 pontos no braço. "Pensei que nunca mais iria jogar." Problemas financeiros na família o levaram a trabalhar aos 12 anos
Giba, que acredita que a importância da seleção de vôlei já transcendeu as quadras, falou à Folha ontem, no Rio.
FOLHA -Essa geração ficou marcada pelo treinador, conhecida como "o time do Bernardinho". Ele tem mais exposição que os próprios jogadores. Como você lida com isso?
GIBA - Não existe essa vaidade para nós. Ele colheu os frutos que plantou. Todo mundo tem reconhecimento, cada um do seu jeito. O fato de ele estar no Brasil e pessoas o verem o tempo inteiro faz com que a equipe tenha esse rótulo. O brasileiro tem memória curta. Depois da Olimpíada de Atenas [em 2004], as pessoas perguntavam se eu tinha largado a seleção. A gente fica oito meses jogando fora. E o fato de o Bernardinho estar aqui alimenta isso.
FOLHA - A crise no Pan expôs divergências com a comissão técnica. O time se portou mais como um grupo vitorioso do que como uma família?
GIBA - Discordo. Se não tivéssemos essa ligação de família, não teríamos a condição de olhar um no olho do outro e dar uma bronca. Se você só passa a mão na cabeça não está sendo amigo. Na hora da bronca, a pessoa pode ficar brava, se afastar, mas ela vai parar, pensar e ver que foi para o bem dela.
FOLHA - O Ricardinho [cortado do Pan] merecia essa bronca?
GIBA - As coisas que aconteceram só dizem respeito a nós. O Bernardo tomou uma decisão que julgou ser correta, e não cabe a nós julgarmos isso. O que quero é cumprir nosso pacto e ir com o Ricardinho até Pequim [sede da Olimpíada de 2008].
FOLHA - O que achou do Pan?
GIBA - Como evento, me surpreendeu. Achei que haveria dificuldade, pelo que lia nos jornais. Sou muito crítico.
FOLHA - O vôlei foi bem organizado, mas você acompanhou os problemas em outras instalações?
GIBA - Não tinha como acompanhar nada. A gente jogava às 22h, chegava na Vila [Pan-Americana] à 0h30, dormia às 2h. No dia seguinte acordava às 10h30 e ia treinar. Eu só fui do quarto para o restaurante e do restaurante para o quarto.
FOLHA - Você acompanhou as vaias ao presidente Lula na cerimônia de abertura?
GIBA - Um americano, diretor de banco, me disse uma vez que o Brasil é o país mais rico do mundo. O que você planta dá, o que quer, tem. Tem qualquer tipo de clima, todas as raças juntas, e ninguém briga. É onde todo mundo rouba, e o dinheiro nunca acaba. É uma coisa para se pensar. Minha mulher, que viveu no comunismo na Romênia, me conta os problemas por que passou. Na Itália, as pessoas contam as dificuldades da guerra. Me pergunto se a gente não tem de passar por algo assim para dar valor ao que temos. Tudo isso para chegar nas vaias. As pessoas que comandam o país não dão o devido valor ao nosso povo.
FOLHA - Foram merecidas?
GIBA - Sim. Não diretamente para ele. É o presidente, mas não muda tudo sozinho.
FOLHA - Votou no Lula?
GIBA - Não. Estava fora do país e não quis votar. Se estivesse aqui, anularia.
FOLHA - Você pretende voltar a morar apenas no Brasil?
GIBA - Não penso em viver fora, mas este não é o país em que eu queria morar. O principal problema é a segurança. Como diz a música do Rappa, você não sabe quem está preso, se é você ou o bandido.
FOLHA - Foram gastos cerca de R$ 4 bilhões com o Pan do Rio. Não existiriam outras prioridades?
GIBA - Não é questão de prioridade. Está mais do que na cara como as coisas acontecem no país, e ninguém faz nada. Não é questão de gastar esse dinheiro aqui ou ali. É parar de roubar. O Brasil precisava de um evento desse. O orçamento estourou, mas existem recursos que poderiam ter sido investidos em outros setores há muito tempo.
FOLHA - O que falta para o esporte se desenvolver mais no país?
GIBA - Não temos apoio das empresas. Por exemplo, acho um absurdo Curitiba não ter time de vôlei, basquete. Existem várias empresas grandes lá que não querem patrocinar.
FOLHA - Por que isso acontece?
GIBA - Não sei. Todo mundo falou na lei de incentivo ao esporte, mas não sei se vai resolver. Vou entender quando eu parar.
FOLHA - O que você vai fazer?
GIBA - Ser cartola, tentar resolver as coisas. Sei como funciona porque já passei por tudo.
FOLHA - A seleção feminina sofreu com um caso de doping no Pan e reclamou de que a Agência Mundial Antidoping está sendo muito rigorosa com substâncias que não ajudam na performance. Você foi pego com maconha. O que acha disso?
GIBA - Não sei o que aconteceu com a Jaqueline, mas, se você absolve, vai ter precedentes quando pegar pessoas com doping de verdade. Mas tem de estudar caso a caso. O meu foi totalmente diferente. Era uma droga social, mas vai contra tudo que o esporte prega.
FOLHA - Que lição você tirou?
GIBA - Quando eu cheguei ao Brasil, crianças e senhoras diziam que estavam torcendo por mim. Ali eu vi o que representava. Muita gente fala que quer ser como eu. Querem ser como eu, e eu fazendo essas besteiras? Foi uma grande lição.
FOLHA - O que a seleção de vôlei representa?
GIBA - Dentro do que falamos até agora, da política, acho que esse time dá mais esperança ao povo. As pessoas dizem que nos vêem jogar, não desistir nunca e ganhar sempre no final e levam isso para a vida delas.
FOLHA - Você disse que pensou em parar de jogar na seleção...
GIBA - É verdade. Depois de Atenas [2004], pensei seriamente. Não consigo mais ficar longe da família. Minha filha já entende as coisas, ela chora. É uma tortura, não agüento mais.
FOLHA - Muitos cubanos que desertaram estão na Itália. Você tem contato com eles?
GIBA - Sim. Falam que não agüentaram. Viram as chances que tínhamos e eles não. Os jogadores de vôlei contam que ganham US$ 8 por mês. O governo dá o resto, mas...
FOLHA - Você acha que os atletas têm orientação necessária para gerir suas carreiras?
GIBA - É uma coisa em que eu venho pensando. Conheci uma pessoa que está estudando isso. Ele trabalha com treinamento de empresas e está entrando no esporte, voltado para o futebol e também outros esportes. Estou empolgado.
FOLHA - Vai virar empresário?
GIBA - Um pouco de tudo. Lógico que não pode chegar para o cara e dizer: "Você não vai fazer isso". Mas pode orientar. Fazemos isso. Outro dia dei uma bronca no Samuel [novato da equipe], falei para ele fazer uma poupança. Se eu tivesse feito... Vou passar minha experiência.
GIBA - Se cansar, vou é pegar um barquinho e virar pescador.
*
Giba é um dos melhores jogadores da seleção. E fez bonito no Pan.
Nenhum comentário:
Postar um comentário