25 maio 2007

DITADOR EM OBRAS

Editorial da Folha de S. Paulo

De modo paulatino, mas inequívoco, Chávez faz sua escalada autoritária, erodindo os pilares que sustentam a democracia


Consuma-se neste domingo, na Venezuela, mais um duro golpe contra o direito de escolha, o pluralismo de idéias, a própria liberdade de expressão. A RCTV, a mais antiga e uma das mais populares redes de televisão do país, deixará de existir, depois de ter a renovação de sua licença negada por Hugo Chávez.

Morre, assim, a última emissora com transmissão nacional que ainda se pautava pela independência em relação ao governo, uma vez que as outras duas grandes TVs privadas -a Venevisión, de Gustavo Cisneros, e a Televén- reformularam sua linha editorial e hoje operam como dóceis instrumentos do chavismo.

A RCTV deve sair do ar à 0h de segunda-feira; 15 minutos depois, conforme o script oficial, uma nova TV estatal -a Tves- surgirá ao som do hino nacional executado por uma orquestra.

Quando mais essa exibição histriônica de nacionalismo, tão típica do repertório chavista, chegar ao fim, o presidente venezuelano terá, na prática, eliminado a possibilidade de que seu governo seja alvo de questionamentos ou de críticas em qualquer programa de TV com alcance nacional.

Isso é ainda mais pernicioso num país pobre e de hábitos de leitura rarefeitos, a exemplo do Brasil, onde o peso específico da TV na formação da opinião pública tende a ser muito elevado.

Passo a passo, de modo paulatino, mas inequívoco, Chávez faz sua escalada rumo ao autoritarismo -e vai erodindo, um a um, com determinação, os sistemas de freios e contrapesos que oxigenam as sociedades democráticas e impõem limites à megalomania de todo governante.

A cooptação ou intimidação de adversários, o controle, direto ou enviesado, sobre os meios de comunicação e sobre a circulação da informação - este é apenas um de seus instrumentos.

A obra chavista - uma verdadeira ditadura "in progress"- se torna mais nítida à luz das peripécias institucionais e das alterações do arcabouço legal do país, já realizadas ou em curso.

Elabora-se em sigilo, sem que haja nenhuma discussão pública, mais uma mudança da Constituição. A tarefa está a cargo dos 11 membros do Conselho Presidencial para a Reforma Constitucional, nomeados por Chávez. Da nova Carta, deverá constar o dispositivo da reeleição indefinida para presidente.

Em seu terceiro mandato, Chávez hoje se vale da chamada Lei Habilitante, que lhe outorga o poder de dirigir o país por decreto durante 18 meses. Está em vigor desde janeiro, quando foi aprovada por uma Assembléia Nacional 100% chavista, conseqüência - diga-se - do equívoco da oposição, que boicotou as eleições legislativas em 2006.

A mesma oposição, aliás, que em 2002 já havia enveredado pelo atalho do golpismo, com o apoio da Casa Branca, deslegitimando-se à época como pólo alternativo de poder e vitimizando um presidente então fragilizado.

A força política de Chávez repousa sobre a volúvel prosperidade trazida pela alta do preço internacional do petróleo. As bases que sustentam os delírios do ditador em formação são turvas e escorregadias, como o óleo.

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