04 maio 2007

BRASIL QUER PASSAR A PRODUZIR REMÉDIO ANTI-AIDS

Do Blog Convesra Afiada:

O Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta sexta-feira, dia 04, que o Brasil pode passar a produzir o Efavirenz, remédio usado no combate à Aids (aguarde o áudio).

“Minha expectativa é que pela primeira vez em muitos anos vamos elaborar uma proposta de fortalecimento da capacidade nacional de produção dos insumos farmacêuticos necessários para os programas de saúde pública”, disse Temporão.

Segundo o Ministro, o Brasil “deteriorou” sua indústria farmo-química de base nas décadas de 80 e 90. “Nós poderíamos ter feito o que a Índia fez: criou uma forte indústria farmo-química de base e agora exporta para o Brasil inteiro”, disse Temporão.

Temporão disse que o fortalecimento da indústria farmo-química de base brasileira deve acontecer com apoio do BNDES que agora tem o professor Luciano Coutinho na presidência.

O Governo brasileiro anunciou nesta sexta-feira que vai importar o medicamento correspondente ao Efavirenz – produzido pelo laboratório Merck Sharp – de produtores independentes da Índia. Esses remédios serão comprados por US$ 0,45 o comprimido. Hoje, a Merck vende o comprimido de Efavirenz por US$ 1,60 cada.

Segundo Temporão, 180 mil brasileiros são portadores do vírus HIV. Destes, 75 mil utilizam o Efavirenz no tratamento.

Leia a íntegra da entrevista com Temporão:

Henrique Amorim – O governo brasileiro acaba de quebrar a patente do remédio Efavirenz, que serve para tratar Aids, é o remédio da morte. Eu vou conversar agora com o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Ministro, o senhor vai bem?

José Gomes Temporão – Tudo bem, Paulo.

Paulo Henrique Amorim – Ministro, por que o senhor recomendou essa atitude tão drástica ao presidente Lula?

José Gomes Temporão – Por dois motivos. Em primeiro lugar, existe uma ameaça à sustentabilidade econômica do programa brasileiro que é um programa de qualidade reconhecida mundialmente. Nós temos hoje 180 mil brasileiros que vivem do (programa do governo federal) DST/Aids, em tratamento. E essa droga é utilizada por cerca de 75 mil. O medicamento que o laboratório nos vende é de US$ 1,60 por comprimido. Vende o mesmo produto à Tailândia por US$ 0,65, sendo que o Brasil, ao contrário da Tailândia, tem um programa universal que atende todos os brasileiros que sofrem dessa doença. Então, nós estamos desde novembro do ano passado negociando com o laboratório a redução desse preço e ele insistiu num desconto de apenas 2% do valor do medicamento e, evidentemente, depois que eu assumi e chamei o laboratório pra conversar e tive uma reunião pessoal com o presidente da Merck do Brasil e o ministro da Indústria e Comércio e, de novo, o resultado foi ruim, o laboratório não recuou. Depois, tive uma conversa ao telefone com o presidente mundial da Merck e a Merck, então, enfim, mandou uma proposta propondo uma redução de 30% do preço do produto, ou seja, de US$ 1,60 para US$ 1,10. A visão do governo brasileiro é que essa proposta não atendia a nossa expectativa. E aí nós usamos o quê? Usamos a legislação internacional. O acordo de TRIPS (sigla em inglês para Direitos de Propriedade Intelectual relacionadas ao Comércio).

Paulo Henrique Amorim – O que prevê esse acordo de TRIPS?

José Gomes Temporão – Esse acordo prevê que em caso de interesse público ou de ameaça à saúde pública os governos podem lançar mão desse elemento compulsório, que não é uma quebra de patentes até porque não vamos pagar royalties ao laboratório detentor da patente. Como é que funciona isso? Nós vamos importar medicamentos de produtores independentes da Índia, genéricos.

Paulo Henrique Amorim – Da Índia?

José Gomes Temporão – É, que vão nos vender o medicamentos a US$ 0,45 por comprimido.

Paulo Henrique Amorim – E o programa brasileiro então nem se interrompe nem é prejudicado?

José Gomes Temporão – Exatamente, exatamente. Pelo contrário, nós vamos economizar US$ 30 milhões/ano que serão totalmente reinvestidos no aperfeiçoamento do programa e na ampliação e qualificação do programa. Ou seja, foi, como eu disse hoje na solenidade, uma atitude serena e soberana do Brasil, totalmente dentro da legislação internacional.

Paulo Henrique Amorim – Por que o tratamento dispensado ao Brasil é tão diferente em relação ao tratamento dispensado à Tailândia?

José Gomes Temporão – Pois é, essa era exatamente a nossa questão. A resposta do laboratório é que essa é uma política mundial do laboratório que classifica os países, utilizando alguns indicadores de incidência da doença, de renda per capita, de IDH. Mas deixando de considerar, ao meu ver, o mais importante que é que em 1999 nós tínhamos 2,5 mil brasileiros utilizando essa droga no Brasil e hoje temos 75 mil. E a tendência, como é uma droga de primeira escolha, é que o número de pacientes seja ampliado.

Paulo Henrique Amorim – Eu pergunto: o Brasil não pode produzir esse remédio, se a Índia produz?

José Gomes Temporão – Nós poderíamos ter feito o que a Índia fez. O que a Índia fez? Criou uma forte indústria farmo-química de base e agora ela exporta para o mundo inteiro. O que o Brasil fez? Destruiu a nossa indústria farmo-química de base durante os anos 80 e 90 e agora nós temos que importar tudo. Essa é uma questão de dependência, de vulnerabilidade da política de saúde brasileira que você lembrou bem.

Paulo Henrique Amorim – E o senhor pretende corrigir isso?

José Gomes Temporão – Nós podemos reverter isso. Aliás, minha expectativa com a posse de Luciano Coutinho à frente do BNDES é que com ele nós podemos pela primeira vez em muitos anos elaborar uma proposta de fortalecimento da capacidade nacional de produção dos insumos farmacêuticos necessários para os programas de saúde pública.

Paulo Henrique Amorim – Mas o Estado brasileiro já tem instituições que produzem remédios, não é isso?

José Gomes Temporão – Nós temos, mas, na realidade, a grande maioria desses remédios que são produzidos são genéricos não protegidos por patentes. Ou seja, são cópias desses medicamentos cujas patentes já expiraram, que todo mundo produz. A grande questão é exatamente esses medicamentos protegidos por patentes onde os laboratórios detentores das patentes cobram altíssimos preços. E apenas os países que pagam esses preços conseguem ter acesso a esses produtos. É uma questão complexa, que envolve propriedade intelectual, envolve o reconhecimento que os laboratórios internacionais investem muitos recursos no desenvolvimento de novas drogas, mas ao meu ver têm que considerar também que os países têm que ter acesso ao que seria, digamos assim, um patrimônio da humanidade. Acho que medicamento tem que ser tratado de maneira um pouco distinta de outros bens, de outros serviços e produtos. É uma questão polêmica que envolve muitos interesses econômicos e políticos, mas que o Brasil vem trabalhando de maneira centrada, de maneira equilibrada.

Paulo Henrique Amorim – Uma última pergunta, Ministro: o senhor pode vir a voltar a comprar o produto da Merck?

José Gomes Temporão – Olha, isso é... A Merck vende outros produtos para o Governo brasileiro, em outros programas que não o de Aids. É uma empresa que está há décadas no Brasil. O mercado brasileiro de medicamentos, para você ter uma idéia, está entre os dez maiores do mundo, são US$ 10 bilhões por ano. Não vejo nessa medida nenhuma ameaça à deterioração das relações entre o Brasil e os laboratórios multinacionais, tampouco em relação à Merck. Acho que foi uma situação em que não houve possibilidade de acordo e o Brasil, movido pela defesa da sustentabilidade de um programa de interesse público, determinando o licenciamento compulsório.

Paulo Henrique Amorim – Ministro Temporão, foi um prazer falar com o senhor. Obrigado pela entrevista.

José Gomes Temporão – O prazer foi todo meu, um abraço.

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