03 maio 2008

DOHA: TRÊS QUESTÕES

ROBERTO RODRIGUES

Os países menos desenvolvidos deveriam aproveitar o ciclo de preços altos de alimentos para estruturar o sistema produtivo

Há sinais controversos nas informações sobre a conclusão da Rodada Doha, da OMC.
Volta e meia correm noticias otimistas, indicando que as negociações caminham para um termo favorável aos países agrícolas. Mas logo reaparecem obstáculos contra. O fato real é que desde dezembro de 2001 as discussões se arrastam sem avanços significativos. É verdade que em Hong Kong, no final de 2005, conseguiu-se definir uma data, 2013, como o prazo fatal para a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas, um fator de distorção dos mercados. Mas pouco ou nada se tem conseguido nos temas de apoio interno e acesso a mercados.
Nos últimos tempos, a impressionante elevação dos preços dos alimentos, determinada por um forte desequilíbrio entre a oferta e a demanda em todo o mundo, trouxe à baila duas questões que contribuem para "embolar" o meio-de-campo desse complicado jogo.
A primeira tem a ver com uma certa falta de vontade dos países ricos que mais subsidiam seus produtores em discutir o protecionismo. É claro: com preços tão altos, fica difícil pleitear subsídios, porque a renda rural está garantida pelo próprio mercado. Nessas condições, o ideal para os demandantes de proteção é esperar que o ciclo de preços altos acabe. Por outro lado, os países emergentes que tradicionalmente lutam pela redução do apoio interno dos ricos e pelo maior acesso ao mercado deles relaxam um pouco sua campanha, porque, em razão da demanda aquecida, estão colocando seus produtos com boa margem.
Como conseqüência, parece que esfria um pouco essa disputa, e fica a impressão de que ninguém quer brigar agora. Sabemos que as discussões seguem no nível diplomático, mas a sensação é esta, de pouca disposição para negociar. A segunda questão é ainda mais estranha.
Como os preços dos alimentos subiram, os países mais pobres, que recebem ajuda alimentar, muitas vezes doações volumosas, voltam a se interessar pelos subsídios de toda ordem para os produtores dos países mais ricos. Entendem que, dessa forma, a produção aumentará lá, permitindo os excedentes, que abastecerão suas dispensas vazias. É uma contradição e um erro, pois os menos desenvolvidos deveriam aproveitar o ciclo de preços altos -e que deve durar algum tempo até que o equilíbrio entre oferta e demanda se restabeleça- para estruturar seus sistemas produtivos de forma a reduzir a dependência de favores externos. Aparentemente, essas duas questões atrasam a conclusão da rodada, e a tese da liberação dos mercados agrícolas, sonho de Doha, vai ficando para as calendas.
Mas há um outro tema que não tem sido muito discutido. Todo negociador vai para a mesa munido de argumentos valiosos para defender suas idéias. Mas, antes dos argumentos, ou da língua que usará, ele tem uma história, uma cultura, ele é o resultado da sua história e da sua cultura. E cada um tem a sua, e cada uma é diferente das outras todas.
Um rico que defende o "animal wellfare", por exemplo, acredita no que está propondo, porque está condicionado a isso por sua realidade. E um pobre que se preocupa com a sobrevivência do seu filho não consegue aceitar o tema, julgando-o um absurdo.
Sendo assim, o rico que pleiteia subsídios acha isso correto. O pobre acha inaceitável.
Sem a compreensão de todos os negociadores das determinantes culturais de cada um deles, dificilmente se chegará a um acordo, porque a "língua" falada não é a sentida.

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