15 janeiro 2007

PARA REFLEXÃO

Do blog de Reinaldo Azevedo:

UM EXERCÍCIO

O texto abaixo só faz sentido se lido até o fim:

O mundo é de quem pode conquistá-lo, não de quem sonha fazê-lo. A frase, com alguma adaptação da memória, é de Fernando Pessoa e deveria servir de divisa do realismo político, coisa em que o Brasil é ruim para chuchu. Entre nós, incompetência passa por utopia; desarticulação é oferecida como alternativa política; visão de curto prazo costuma ser confundida com tática.

O que querem os defensores da chamara Terceira Via? Não é justamente a independência entre os Poderes, já que tão pomposamente apelam a Montesquieu para ocultar a falta de proposta política de sua postulação? Pois o Legislativo é independente quando consagra, e transforma em prática, o princípio da proporcionalidade. Que mal pode nos advir de seguir o que se faz nas democracias consolidadas? Fiquemos no exemplo mais evidente, o dos EUA: não se tinha a menor dúvida sobre que partido presidiria a Câmara e o Senado tão logo se conheceu o resultado das urnas.

O PT, é verdade, em passado remoto e recente, prática que se espalhou em Assembléias Legislativas, foi useiro e vezeiro em dar um peteleco na proporcionalidade e se lançar na disputa. Mas é o modelo petista de oposição o que se espera dos partidos que hoje não formam a base de apoio a Lula? Não é justamente a diferença o que se cobra? Não custa lembrar que o petismo que mereceu o voto de milhões de brasileiros é aquele que renegou suas bandeiras históricas, aquele que renunciou a si mesmo. O PSDB não mudou. Está onde sempre esteve. Quem procura um lugar na política é o PT. Acabará aderindo a uma agenda social-democrata? Tanto melhor se o fizer.

A oposição está honrando os milhões de votos que recebeu nas urnas, sim, senhores! Os eleitores fizeram do PSDB o terceiro partido da Câmara para que ele participasse dos mecanismos decisórios; para que não ficasse alijado da Mesa; para que pudesse, com a força da representação, fazer valer a voz daqueles que se opõem ao PT e ao governo do presidente Lula. Os tucanos não conquistaram a confiança de 40 milhões de eleitores para ser um partido marginal no Parlamento, para se comportar como uma força que nega a política.

Ninguém, que eu saiba, abriu mão de sua convicção. Mas foi necessário atuar com responsabilidade. São hoje os propagandistas da Terceira Via que dizem: “Aldo ou Arlindo, o resulto é o mesmo; tanto faz”. Sendo isso verdadeiro, é o pragmatismo – útil à voz das oposições – que aponta o óbvio: a forma que o PSDB tem de fazer valer o peso de sua bancada e a esperança que nele depositaram milhões de eleitores é avançar nos espaços institucionais em que se pode e se deve fazer política: o próprio Parlamento e as Assembléias Legislativas. Entre o pragmatismo que serve ao avanço da democracia e supostos princípios ventilados de forma estridente, é óbvio que o PSDB fez a escolha certa: é aquela que lhe garante o justo lugar na Mesa da Câmara e que lhe permite encaminhar acordos regionais no melhor interesse dos eleitores – e jamais contra eles.

Manifestação de subserviência ao Executivo seria, por outra, deixar que a oposição ao governo Lula tisnasse as regras da convivência no Poder Legislativo. Manifestação de subserviência – e subserviência do pior tipo, porque rancorosa, ressentida – seria ser banido dos mecanismos decisórios da Casa, numa admissão implícita, porém evidente, de que a política é, por natureza, uma coisa suja, deixando que apenas os governistas ocupassem os espaços institucionais que também pertencem à oposição. E pertencem por direito. Direito adquirido nas urnas.

O que estão querendo provar? Que o melhor acordo possível é ruim porque não é aquele eventualmente do agrado dos que ambicionam ter o comando do Parlamento mesmo sem terem vencido eleições para tanto? Não custa evocar aqui o famoso par de que trata Maquiavel em O Príncipe, a Virtù e a Fortuna. Ora, não há um modo de proceder único, alerta-nos o florentino. Não existe um modelo cristalizado a moldar os homens e as gerações. Há na história, lembrava o autor, os que alcançaram o sucesso usando sempre o ímpeto, e os que haviam chegado ao mesmo lugar apelando somente à prudência. E também é fato que se danaram muitos prudentes e muitos impetuosos. Vale dizer: além das características eventualmente pessoais do político, há as circunstâncias. Acomodar a ação às condições históricas é um ato de sabedoria, e não o contrário. É o que faz o PSDB. Ainda que certa crônica política, tomada de tentações finalistas, esperasse dos tucanos que, não podendo casar o melhor dos mundos da Fortuna e da Virtù, ignorasse a primeira ou tentasse mudá-la a unha.

Ademais, o desafio que milhões de eleitores fizeram ao PSDB é praticar governos virtuosos nos Estados, que possam servir de modelo e de referência para o país. Isso tem um alcance eleitoral, que chega a 2010? É claro que sim. A menos que se cassem os direitos políticos de líderes da oposição que são candidatos naturais à sucessão do presidente Lula. Mas também aqui o desafio não é simples. Quanto mais o PT se integra à rotina da vida democrática, mais se torna refém de seu excesso de más idéias pretéritas e de sua absoluta falta de idéias sobre o futuro. O resultado desse conflito tem sido um governo de um conservadorismo intelectualmente modesto, sem imaginação, que condena o país a um crescimento medíocre, conforme se tem visto à farta. Não é um governo dos pobres, mas do pobrismo.

Ao se ler certa crítica, no entanto, fica-se com a impressão de que o PSDB aderiu ao governo Lula, decidindo ser sua terceira força de apoio, atrás apenas do PMDB e do próprio PT. Até onde se percebe, as divergências são muitas e evidentes. Os tucanos tão-somente acataram um princípio vigente nos Parlamentos da maioria das democracias do mundo. Se a proporcionalidade, no entanto, não parece ser um argumento forte ou eficiente, que se considere o dado politicamente mais relevante: o partido recebeu um mandado – e um mandato – dos eleitores para participar do jogo político democrático, não para apenas denunciá-lo.

A luta que se anuncia é de longo prazo. Nos primeiros 18 meses, será praticamente impossível encontrar eco na sociedade para uma atuação de oposição mais agressiva. A política só voltará a dividir posições e a reunir seus protagonistas para a batalha quando voltar a viver o clima de disputa eleitoral, em 2008. Até lá, há uma agenda que não é exatamente do interesse do PSDB ou do PT, mas do país.

O jornalista H. L. Mencken dizia que o pior governo é também o mais moralista. Talvez se possa dizer o mesmo de certos “principistas” que acabam criminalizando a ação política.

*Leitor,
o que vai acima é o texto que eu escreveria caso defendesse o apoio de setores do PSDB ao PT. Mas eu não acredito em uma vírgula do que vai ali. Fui eu que escrevi, mas não é de minha autoria. Eu o fiz só para provar que é possível fazer uma defesa política do acordo PSDB-PT, trabalho a que os tucanos nem mesmo se deram. Não se preocuparam em convencer seus eleitores. É como se a decisão não lhes dissesse respeito. Parece que Aécio Neves até saiu de férias.

Como vêem, dá até para evocar, entre outros, algum Maquiavel. E não acredito na análise acima (e em outras piores e melhores do que esta, mas de igual teor) porque se trata de uma resposta convencional de um partido convencional a um adversário idem. Ocorre que o PT é tudo, menos adepto do convencionalismo.

Ao contrário. Nos quatro anos à frente do governo, tentou mudar a natureza das instituições, mobilizou-se para comprar o Congresso e organizou um grupo de aloprados para dar um golpe nas eleições, isso para ficar nos crimes mais evidentes e de maior repercussão. Estamos lidando com um partido gramsciano (Chávez citou Gramsci em sua posse), o que as oposições se negam a ver – uns por teimosia, outros por falta de informação -, que não aceita os limites do Estado democrático de direito.

Considero ainda que boa parte dos setores formadores de opinião que apostaram nas oposições experimenta uma sensação de grande frustração. Estes altos desígnios da representação política tornaram-se uma forma de conforto. É como se soprassem aos ouvidos dos líderes um mau conselho: “Esqueçam. O jogo do Parlamento é muito complexo para ser submetido ao escrutínio do homem comum”. Trata-se de um erro terrível.

O que me parece é que os tucanos, na hipótese de Chinaglia se sagrar vencedor, serão sócios de todo o passivo do petismo, sem, no entanto, se tornar parceiros de alguns de seus “sucessos”. Explico-me: boa parte do eleitorado de classe média (urbano e mais crítico) repudiou as práticas petistas e lastima essa proximidade. Já os esquerdistas e filoesquerdistas e os beneficiários das prebendas sociais jamais migrarão para as fileiras tucanas. O PSDB perde o que tem para continuar sem aquilo que já não tem.

Isso é o que eu realmente acho. Mas saberia justificar o acordo com mais argumentos do que os que ele mereceu. Na verdade, o mais gritante de tudo foi o silêncio.

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