10 janeiro 2007

CHÁVEZ

Virada à esquerda: Chávez acelera a marcha para o "socialismo do século 21"
O líder da Venezuela poderá lamentar suas medidas para estender o controle do Estado a "setores estratégicos" da economia.

Richard Lapper

Há pouco mais de um mês, quando Hugo Chávez conseguiu uma vitória arrasadora nas eleições presidenciais, o iconoclástico líder venezuelano foi bastante claro sobre suas intenções radicais. Falando de um balcão no Palácio de Miraflores enquanto um temporal ensopava seus seguidores que dançavam, Chávez prometeu "o início de uma nova era".

O "projeto" que ele batizou de bolivariano em homenagem a Simón Bolívar, o líder venezuelano das guerras de independência da América Latina no século 19, seria "aprofundado, ampliado e estendido ... em direção ao socialismo".

Mesmo assim, a velocidade com que ele agiu foi uma surpresa. Na segunda-feira, em uma reunião convocada para o juramento do cargo em um novo gabinete antes da posse formal hoje, ele gabou-se abertamente de seu compromisso comunista, reafirmou sua promessa de reconstruir o "socialismo do século 21" e anunciou uma série de grandes reformas econômicas.

A mais chocante para os mercados foi a proposta de nacionalização das firmas de telecomunicações e eletricidade da Venezuela. Cantv, a empresa de telecom privatizada em 1991, foi citada pelo nome, provocando uma queda de 14% em suas ações na segunda-feira. Chávez afirmou que o governo "deve recuperar a propriedade dos setores estratégicos".

De modo significativo, as medidas afetam potencialmente companhiasamericanas: a Verizon é a principal acionista da Cantv e a AES, baseada na Virgínia, controla a Caracas Electricity, a maior companhia de eletricidade.

O governo, disse Chávez, vai propor medidas para aumentar o controle do Estado sobre as quatro associações estratégicas com investidores estrangeiros que exploram as grandes reservas de petróleo na bacia do rio Orinoco.

Também deverá haver mudanças na frente política. Chávez vai pedir novos poderes ao Congresso para governar por decreto. Ele vai propor medidas para reformar a Constituição na linha socialista, o que, acredita-se amplamente, permitirá sua reeleição ilimitada. Há planos de um novo sistema de democracia local baseada no que Chávez chama de "conselhos comunitários".

Tudo isso faz parte de um padrão mais amplo de mudanças que marca as intenções radicais de Chávez. Na semana passada o presidente reformulou seu gabinete, demitindo entre outros o vice-presidente José Vicente Rangel e Nelson Merentes, o ministro das Finanças. Ambos eram considerados membros mais independentes do governo, criticados pela falta de compromisso com a revolução.

Chávez atacou a mídia privada, cuja oposição a seu governo tem sido um incômodo há algum tempo. Há menos de duas semanas ele confirmou que o governo não renovaria a licença da Radio Caracas Televisión, um canal especialmente crítico, quando chegar a hora da renovação este ano.

Chávez denunciou ferozmente os críticos dessa medida. José Miguel Insulza, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos e um ex-aliado de Chávez, sugeriu na semana passada que essa ação "parecia censura" e lembrava o militarismo ao estilo dos anos 70.

Chávez respondeu na segunda-feira com o tipo de ira normalmente reservada para os representantes do governo Bush, descrevendo o secretário-geral como um "vice-rei imperial" e "um completo imbecil".

Ainda esta semana Chávez deverá anunciar um maciço plano de ajuda, incluindo créditos baratos para importação de petróleo, ao novo governo de esquerda da Nicarágua, o que deverá minar ainda mais a influência americana na região.

Tudo isso deixou os analistas de Caracas confusos. Tamara Herrera, uma analista para a consultoria Latin Source, disse que a radicalização "nessa direção" era esperada desde a reeleição, mas que a velocidade das mudanças "foi um choque".

Algumas das medidas podem ser mais retórica do que realidade. Pode parecer impressionante cortar a autonomia neoliberal do Banco Central, mas essa independência já era ficção há algum tempo.

De modo semelhante, as negociações com as companhias que operam no Orinoco estão em andamento há alguns meses. É amplamente esperado que os investidores - incluindo Chevron Texaco, Total e Statoil, que investiram cerca de US$ 17 bilhões na região - concordarão com novos termos, incluindo o controle majoritário do Estado de novos empreendimentos, assim como fizeram no início do ano passado as mais de duas dúzias de companhias internacionais que operam sob contratos de serviço nos campos de petróleo convencionais do país. O ataque a Insulza também pode servir a um fim demagógico e, a julgar pelas experiências passadas, a situação poderá ser emendada.

Mesmo assim, essas novas medidas parecem levar a Venezuela em uma nova direção, confirmando ao mesmo tempo um crescente papel do Estado na economia e um modelo político mais centralizado e menos tolerante. Em 1998, quando Chávez assumiu pela primeira vez a presidência, o governo seguiu um modelo econômico muito mais pragmático, procurando ativamente o envolvimento de investidores estrangeiros. Depois do golpe militar fracassado contra ele em 2002 e uma greve geral fracassada entre 2002 e 2003, Chávez gradualmente aumentou o controle do Estado sobre os preços e as taxas de juros e agiu para restringir o acesso do setor privado ao câmbio.

A nacionalização de companhias como a Cantv, no entanto, reduziria drasticamente o peso do setor privado na economia. O governo, joint-ventures controladas pelo Estado e cooperativas de trabalhadores e empresas comunitárias - muitas das quais dependem de subsídios do Estado - teriam muito maior alcance.

As medidas abrem duas áreas de vulnerabilidade. Primeiro, poderá ficar mais difícil para Chávez administrar os desequilíbrios econômicos. A ação hostil contra companhias estrangeiras provavelmente reduzirá os muito necessários investimentos nos campos de petróleo. As nacionalizações também poderão aumentar as pressões sobre o mercado de câmbio.

Como a comissão de câmbio restringe a disponibilidade de moeda estrangeira à taxa oficial preferida, as empresas já compram dólares pela taxa do mercado paralelo, tolerado (na maior parte do ano passado o dólar foi negociado com um prêmio de até 50%). Isso foi uma fonte significativa de pressão inflacionária no ano passado, quando os preços aumentaram mais de 15% e com um índice subjacente entre 20% e 25%.

As nacionalizações na escala anunciada na segunda-feira vão piorar as coisas, ao deprimir a confiança e alimentar a fuga de capitais. De fato, ontem cedo o bolívar foi negociado a 4 mil por dólar no mercado oficioso, uma queda de cerca de 20% desde o fim da semana passada. Herrera da Latin Source diz que haverá considerável incerteza até que Chávez esclareça suas intenções (ele deverá fazer um discurso hoje na posse formal de seu novo mandato). Mesmo assim, ela prevê um aumento de preços e ações do governo para ampliar os controles de preços.

Segundo, a adoção de um modelo político mais restritivo aumenta os riscos de que Chávez se torne mais isolado em sua própria região e mais dependente de suas ligações internacionais com países como Iraque e Belarus. No ano passado a Venezuela entrou para o Mercosul, a união alfandegária sul-americana formada por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Para ser membro desse clube e da Organização de Estados Americanos, a Venezuela precisa seguir regras democráticas comumente aceitas. Os ataques a Insulza, por exemplo, podem agradar aos seguidores radicais em casa, mas tornam mais difícil manter relacionamentos com líderes de centro-esquerda na América Latina.

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