Saiba o que está em jogo na disputa da Câmara
Josias de Souza
Reza o artigo 80 da Constituição que o presidente da Câmara é o terceiro homem - até hoje nenhuma mulher logrou aproximar-se do posto - na linha de sucessão da República. É ele quem assume o Planalto caso o presidente e o vice sejam, por qualquer motivo, impedidos de gerir o Estado. Na prática, porém, o comandante da Câmara tem mais poder, muito mais, do que o vice-presidente da República. É por isso que os partidos quebram lanças por essa cadeira.
A relevância do vice-presidente está enganchada no destino do titular. E nem todos têm a ventura de José Sarney e Itamar Franco, os vices de Tancredo Neves e Fernando Collor. Em condições normais, o vice-presidente é a ociosidade com carro oficial, gabinete espaçoso e residência bancada pelo contribuinte - o Palácio do Jaburu.
Quando está exausto de sua própria inatividade, José Alencar, o vice de Lula, costuma espinafrar a política de juros do governo a que pertence. As autoridades econômicas fingem que não escutam e a vida segue.
O poder de influência do presidente da Câmara na cena política independe da saúde e da sina pessoal do chefe do Executivo. Sua importância deriva do fato de que, diferentemente do vice, ele comanda uma das Casas do Legislativo, um poder autônomo. Se quiser, pode, no exercício de suas funções, infernizar o cotidiano do presidente da República e de todo o seu governo.
O presidente da Câmara comanda as reuniões do chamado colégio de líderes”, que, como o nome indica, é integrado pelas lideranças dos diferentes partidos. É ele quem define, com ou sem a concordância unânime dos líderes, a chamada “ordem do dia”. Trata-se da lista de projetos que vão a voto no plenário da Casa.
Propostas de interesse do Executivo - novas leis ou reformas da Constituição - podem ganhar maior ou menor celeridade, a depender dos humores do presidente da Câmara. Algo que tende a ganhar ainda maior relevância para um governo como o de Lula que, neste início de segundo mandato, prepara-se para enviar ao Congresso vários projetos de lei e propostas de alterações.
Pela lei, eventuais pedidos de impeachment do presidente da República devem ser protocolados na Câmara. E cabe ao presidente da Casa dar curso à iniciativa ou mandá-la à gaveta. Na atual legislatura, Aldo Rebelo (PCdoB-SP) arquivou vários pedidos de impedimento de Lula. O mais consistente foi apresentado pelo ex-deputado Alberto Goldman (PSDB), hoje vice-governador de José Serra, em São Paulo.
Por todas essas razões, o presidente da República, seja ele quem for, costuma desdobrar-se para acomodar na cadeira de presidente da Câmara - e também na do Senado - políticos leais ao Palácio do Planalto. Pelas mesmas razões, a oposição briga para eleger parlamentares que, no mínimo, se disponham a desfraldar a bandeira da autonomia, livrando o Legislativo da pecha de apêndice do Planalto.
Na atual disputa, produziram-se na Câmara duas candidaturas de perfil governista, a de Arlindo Chinaglia (PT) e a de Aldo Rebelo (PC do B). Ambas, em tese, serviriam aos interesses imediatos de Lula. Porém, a divisão do consórcio partidário que apóia o Planalto deixa inquieto o presidente. Ele receia que a falta de unidade abra espaço para a repetição do “efeito Severino Cavalcanti.” Daí o esforço do governo para deixar de pé uma única candidatura.
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